Tantrismo
Tantra (Sânscrito: तन्त्र; "trama" significa entrelaçamento ou continuidade), o tantrismo é uma filosofia religiosa que adora Shakti como a suprema divindade e, o universo é considerado uma trama divina entre Shakti e Shiva. O termo Tantra também se aplica aos textos relacionados com a adoração a Shakti. O Tantra lida principalmente com práticas espirituais e formas rituais de culto que visam a libertação da ignorância, do sofrimento (sansara) e a identificação com a suprema consciência.
O movimento Tântrico tem influenciado muitas tradições religiosas: hindu, Bön, budista e Jainista e se difundiu, em suas diversas formas pelo Sul da Ásia, China, Japão, Tibet, Coréia, Camboja, Birmânia, Indonésia e Mongólia.
David Gordon White, teve o cuidado de evitar uma definição rigorosa do tantra, mas oferece a seguinte descrição: Tantra é um conjunto de crenças e práticas cujo fundamento é o princípio de que o universo em que vivemos não é senão a manifestação concreta do aspecto energético da Suprema Consciência que cria e sustenta o universo. Procura apropriar-se e ritualmente canalizar essa energia, no interior do microcosmo humano, em processo libertário.
Segundo o Lama Tibetano Yeshe Thubten: ... cada um de nós é a união de todas as energias universais. Tudo o que precisamos para obter a realização está disponível dentro de nós e emerge no momento preciso, simplesmente trata-se da espontânea percepção da unidade. Esta é a abordagem Tântrica.
Visão geral
Há um grande número definições de Tantra formuladas em diferentes escolas mas, nem sempre necessariamente consistentes. Robert Brown observa que o termo tantrismo é uma construção feita por intelectuais ocidentais e que não é um conceito que vem de dentro do sistema religioso Hindu propriamente dito; ainda, desenvolve concepções opostas à tradição védica. Isto o torna potencialmente suspeito como ponto de vista independente.
Ao invés de um único sistema coerente, o Tantra é um acúmulo de práticas e ideias que tem entre suas características a utilização do ritual, o uso do "sensível" para acessar o "transcendente" e a identificação do microcosmo com o macrocosmo. O praticante tântrico pretende utilizar o prana (poder divino) que circula através do universo (incluindo nosso próprio corpo) para atingir determinadas metas. Esses objetivos podem ser de natureza espiritual ou profana.
Um praticante do tantra considera a orientação de um guru necessária para a experiência mística, levando em consideração que, em parte, o tantrismo é transmitido através de uma linguagem secreta ou linguagem intencional (sandhā-bhāşā) com duplo sentido na qual um estado de consciência é expresso por um termo erótico e o vocabulário filosófico está eivado de significações sexuais.
"...Enigmas e adivinhações rituais foram utilizadas desde os tempos védicos e, à sua maneira, revelam os segredos do universo. No tantrismo estamos em presença de um sistema cifrado. solidamente elaborado, e que não chega a explicar a incomunicabilidade das experiências yóguico-tântricas; para expressar este tipo de experiências, há muito tempo usavam-se símbolos, mantra, letras místicas. A sandhā-bhāşā persegue outro fim: ocultar a doutrina aos não iniciados e, principalmente, projetar o yogin na "situação paradoxal" indispensável ao seu treinamento espiritual. Dada a polivalência semântica das palavras, o equívoco acaba de substituir o sistema comum de referência, inerente a toda linguagem usual. Essa destruição da linguagem contribui, também, para "quebrar" o universo profano e substituí-lo por um universo de níveis conversíveis e integráveis. O simbolismo, em geral, possibilita uma permeabilidade universal, abrindo aos seres os significados de uma realidade transobjetiva. No tantrismo, porém, a "linguagem intencional" torna-se um exercício espiritual, faz parte integrante da sadhana...". Mircea Eliade - Le Yoga, Immortalité et Liberté.
No processo de trabalho com a energia (shakti), o praticante tântrico dispõe de várias ferramentas. Estas incluem o yoga, processo que levará o praticante "à união" com a suprema consciência. Igualmente importantes são o uso de visualizações da divindade e a verbalização ou Sua evocação através de mantras, que podem ser entendidas como ver, ouvir internamente e cantar enfaticamente o poder divino - levando a uma crescente tomada de consciência da vibração cósmica através de constante prática. A identificação e a internalização do divino é alcançada, muitas vezes, através da perfeita empatia com a divindade: o aspirante "torna-se" o Ishta-Deva ou a divindade escolhida para meditação.
Tradição Hindu
A tradição tântrica pode ser considerada paralela ou entrelaçada à tradição védica. As fontes primárias dos textos tântricos são os agamas que são, em geral, compostos de quatro partes: conhecimento metafísico (jnana), meditação (yoga), rituais (kriya), e prescrições éticas e religiosas (charya). As escolas e as diversas linhagens associam-se a determinadas formas da tradição tântrica.
André Padoux observa que na Índia, o tantrismo foi rejeitado pela ortodoxia védica. Maurice Winernitz, em sua revisão da literatura do Tantra, assinala que, embora os textos tântricos indianos não sejam formalmente hostis aos Vedas, eles sugerem que os preceitos dos Vedas são muito difíceis para a nossa era, e que, por esse motivo, um culto mais simples e mais fácil da doutrina foram formulados então.
N.N. Bhattacharyya lembra que os mais recentes autores tântricos baseiam-se em doutrinas védicas, embora os seguidores ortodoxos da tradição védica, invariavelmente, referem-se ao Tantra com espírito de repulsa, acentuando seu carácter anti-védico. Em contraste, o contemporâneo autor Swami Nikhilananda descreveu não só a estreita afinidade com os Vedas, mas também que o desenvolvimento do pensamento tântrico mostra a influência dos Upanishads, dos Puranas e do Yoga.
Os Tantras existem em forma Shaiva, Vaisnava, Ganapatya, e Shakta, entre outras. Em cada tradição tântrica os textos são classificados como Shaiva Āgamas, Vaishnava Pāñcarātra Saṃhitās, e Shakta Tantras, mas não existe uma linha demarcatória clara entre essas obras, e em sentido prático o termo Tantra é usado geralmente para esta classe de obras.
Evolução e involução (metafísica / ontologia)
De acordo com o tantra, Satchidananda: consciência (transcendental), ser (realidade) e bem-aventurança (felicidade) tem o poder de auto-evolução e, também, de auto-involução. Prakriti (substrato material) ou Shakti, evolui para uma multiplicidade de formas e coisas, mas, ao mesmo tempo, permanece sempre como consciência pura, ser e bem-aventurança. Neste processo de evolução, Maya mascara a Realidade e a separa em pares de opostos, como consciente e inconsciente, prazer e dor, e assim por diante. Mesmo não se apresentando como ilusão, cria condições limitadoras ao jiva individual.
Na dimensão relativa, Shiva e Shakti são percebidos como distintos. Segundo o Tantra mesmo no estado de evolução, a realidade (matéria) se mantém como consciência pura, ser e bem-aventurança. Na verdade, o Tantra afirma que tanto os processos sensoriais como o Jiva individual são por si próprios Reais. Assim o Tantra se distingue do puro dualismo e do não-dualismo do Vedanta ao introduzir a polaridade shiva-Shakti.
No entanto, a evolução ou a "corrente emergente" é apenas metade do funcionamento de Maya. Involução (corrente de retorno) conduz Jiva de volta à fonte ou raiz da realidade, revelando o infinito. O Tantra desenvolve um método para transformar o 'processo evolutivo' em 'processo involutivo', transformando os grilhões criados por Maya em forças que 'libertam' ou 'liberam'. Esta visão enfatiza duas máximas do Tantra: "É preciso subir pela via por onde se cai" e "o veneno que mata torna-se o elixir da vida, quando utilizados pelo sábio."
O método
O objetivo do tantrismo é sublimar, mais do que negar a realidade relativa. Este processo de sublimação consiste em três fases: purificação, elevação (despertar e ascensão de Kundalini), e a "reafirmação da identidade no plano da consciência pura." Os métodos utilizados pela Dakshina Marga (caminho da mão direita) se opõem aos métodos utilizados no Kaula Marga (caminho da esquerda).
Práticas rituais
Devido ao vasto leque de escolas abrangidas pelo termo tantra, torna-se difícil e desafiador descrever, de modo geral, as práticas tântricas. Arthur Avalon (1918) forneceu clara distinção entre "Ritual ordinário" e " Ritual secreto".
Ritual ordinário (Shakta Sadhana)
O ritual ordinário ou puja pode incluir qualquer dos seguintes elementos: Mantra e Yantra. Como em outras tradições hindus e do yoga budista, mantra e yantra desempenham um papel importante no Tantra. Os mantras e yantras são instrumentos para invocar divindades hindus específicas, tais como Shiva e Kali. Desse modo, o puja pode envolver a utilização, como objeto de concentração, de um yantra ou mandala associado a uma divindade específica.
Identificação com a divindade
O Tantra, em seu desenvolvimento está associado ao antigo pensamento védico, assimilando, então, as divindades védicas, especialmente Shiva e Shakti, juntamente com a filosofia advaita vedanta em que cada um representa um aspecto do supremo Paramashiva ou Brahman. Essas divindades podem ser adoradas externamente com flores, incenso, e outras ofertas, como cantar e dançar, mas (internamente), mais importantes, são as meditações ligadas aos atributos do Ishta Devata. Os praticantes visualizam-se como a divindade ou experimentam o darshan (visão) da divindade.
Ritual Secreto (Pañcatattva)
Arthur Avalon no capítulo 27 -The Pañcatattva (The Secret Ritual) da sua obra Sakti e Sakta (1918), afirma que o Ritual Secreto (que ele chama Panchatattva, Chakrapuja e Panchamakara) é um culto que geralmente ocorre em um Cakra (círculo) composto por homens e mulheres ... sentados em roda, a Shakti [a praticante feminina] fica à esquerda do Sadhaka [praticante masculino]. Por isso, é chamado Cakrapuja. ... Existem vários tipos de Cakra - produzindo diversos efeitos em seus participantes.
Neste capítulo, Avalon também fornece uma série de variações e substituições para os "elementos" ou tattva do Panchatattva (Panchamakara) codificados nos Tantras e em diversas tradições tântricas e afirma que existe uma correlação direta com os Cinco Néctares e os Mahābhūta.
Visão Ocidental
O primeiro estudioso ocidental a empreender o estudo do Tantra com isenção e rigor metodológico foi Sir John Woodroffe (1865-1936), que escreveu sobre Tantra sob o pseudônimo Arthur Avalon. Ele é considerado "o fundador dos estudos tântricos". Ao contrário dos intelectuais precedentes, Woodroffe foi um apologista de Tantra. Defendeu o Tantra contra os seus detratores apresentando-o como um sistema ético-filosófico compatível com os Vedas e o Vedanta. Como estudioso e praticante do Tantra da tradição Shiva-Shakta, Woodroffe compreendeu a integridade do sistema tântrico transmitindo-o com objetividade escolástica.
Desenvolvimento moderno
Após Sir John Woodroffe, um grande número de estudiosos começaram a investigar profundamente os ensinamentos tântricos. Entre estes incluem-se vários estudiosos de religião comparada e Indologia tais como: Agehananda Bharati, Mircea Eliade, Julius Evola, Carl Jung, Giuseppe Tucci e Heinrich Zimmer.
De acordo com Hugh Urban, Zimmer, Evola e Eliade conceberam o Tantra como "o ponto de convergência de todo pensamento indiano: a mais radical forma de espiritualidade com coração da arcaica Índia aborígine", é considerado, por alguns, o ideal de religião da era moderna. Todos os três perceberam o Tantra como "o mais transgressivo e violento caminho para o sagrado."
No mundo atual
Acrescentam-se a estas primeiras apresentações do Tantra outros autores mais populares como Joseph Campbell que ajudaram a trazer o Tantra para o imaginário popular do ocidente. O Tantra passou a ser visto como um "culto do êxtase", combinando sexualidade com espiritualidade, ou como forma de ação catártica da repressão sexual.
Com a popularização do tantra no Ocidente ocorreram grandes desvios: para muitos praticantes modernos, o "Tantra" tornou-se sinônimo de "sexo espiritual" ou "sexualidade sagrada", a crença de que o sexo em si deveria ser reconhecido como um ato sagrado que é capaz de elevar os seus participantes para um plano espiritual mais sublime. Embora o pop-tantra empreste muitos conceitos e a terminologia do Tantra Indiano omite algumas das seguintes características: a tradicional dependência do guruparampara (a orientação de um guru), a intensa prática meditativa, e as normas tradicionais de conduta - tanto morais como ritualísticas.
De acordo com o autor e crítico sobre religião e política, Hugh Urban:
Desde o tempo de Agehananda Bharati, a maioria dos estudiosos ocidentais criticaram severamente estas novas formas de pop Tantra. O "Califórnia Tantra" expressão cunhada por Georg Feuerstein é baseado em uma profunda incompreensão dos procedimentos tântricos. Seu principal erro é confundir êxtase tântrico ... com orgasmo ordinário.
Fontes - Tantra: wikipedia, Mircea Eliade: wikipedia
Links
Mahanirvana tantra: Arthur Avalon
Shakti and Shakta: Arthur Avalon
Hymns to the Goddess: Arthur Avalon
Kularnava Tantra: Arthur Avalon
Hymn to Kali: Arthur Avalon
Kundalini, The Mother of the Universe: Rishi Singh Gherwal
Sat Chakra Nirupana: Purnananda Swami
The Serpent Power by Arthur Avalon
The secret of three cities: an introduction to Hindu Shakta tantrism by Douglas Renfrew Brooks e Bhāskararāya
Tantra, O Culto Da Feminilidade Por Andre Vn Lysebeth
Tantra: Shakti and Shakta from spiritandflesh.net
International Journal of Tantric studies
An Introduction to the Tamil Siddhas: Layne Little
Sriyantra - Sacred art and geometry of Tantra.
Shiva Shakti Mandalam
The 36 tattvas
Mahavidya / Tantra
Espaço dedicado ao yogi: Textos (em português)
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