03/04/2019

Śiva Sūtras de Vasugupta - Introdução

        Śiva Sūtras de Vasugupta

        Introdução (para melhor entendimento, leia antes dos sūtras)
O Śiva-sūtras é uma coleção de setenta e sete aforismos que formam a base do Shivaísmo da Caxemira. Eles são atribuídos ao sábio Vasugupta do século IX DC que viveu perto da Montanha Mahadeva, no vale do rio Harvan, atrás do que hoje são os Jardins Shalimar, perto de Srinagar. Segundo a lenda ele recebeu os aforismos em um sonho do Senhor Śiva que o instruiu a ir a uma certa rocha na qual ele encontraria os ensinamentos inscritos. Esta rocha chamada shankaropala ainda é visitada por devotos.
        Vários comentários foram escritos por contemporâneos ou sucessores da Vasugupta. O mais famoso deles é o Vimarshini de Kṣemarāja (séc. X DC.) que foi traduzido para o inglês por Jaideva Singh e Swami Lakshman Joo. Outro comentário é o chamado Varttika de Bhaskara (séc. XI DC.) que foi traduzido para o inglês por Mark Dyczkowski.
        Historicamente, os Śiva-sūtras e a escola do Shivaísmo da Caxemira são uma tradição tântrica ou agâmica. Os tântricos situavam-se além e independentes das escolas de pensamento e práticas védicas tradicionais e, também, das regras que haviam sido estabelecidas por elas.
        O Śiva-sūtras é, na realidade, um manual de yoga. Está dividido em três unmēṣas (despertares), cada um tratando de um meio particular (upāya), para alcançar a independência (liberdade absoluta). O primeiro é o śāmbhavopāya, a disciplina específica do shivaísmo e corresponde ao jñānayoga. O segundo, o śāktopāya é uma disciplina śākta e consiste no uso de mantras (mantraśāstra). O terceiro chamado āṇavopāya é o aṣṭāṅga yoga de Patañjali.
        O objetivo do śāmbhavopāya é eliminar os três mālas (impurezas) que vedam a luz da consciência, caitanyam (ātmā). Essas três impurezas são, o āṇavamāla, falha do homem, que sendo idêntico a Śiva considera-se um ser limitado e desprovido de independência. A seguinte é o māyīyamāla, a raiz do universo manifesto, que produz o tattva Kalā identificando Ātma à Buddhi e, assim, gera a consciência comum; é chamada de Yonivarga. A terceira é o kalāśarīram, chamada de kārmamāla, o repositório do karma.
        O segundo unmēṣa trata-se do śāktopāya e este é, portanto, um mantrashastra. Um Mantra é uma mera concatenação de sons, absolutamente ineficaz até que citta atinja a unidade com a divindade. Os Mantras são o corpo da Shakti, a Mātṛikā. Ela está latente no homem comum, como uma serpente adormecida enrolada em volta de uma centelha de luz. A concentração nesta centelha, a desperta; a enrolada fica reta, e quando ela é dominada, o homem alcança Mantravirya ... Mas o conhecimento dos Mantras, correspondências entre as letras e suas śaktis, que constituem o Matrika Cakra, tem que ser aprendido com um Guru. Os princípios do Matrika Cakra são: As vogais indicam as śaktis: 'a', jñana śakti; 'i', icchā śakti; e 'u' kriya śakti. As consoantes indicam o universo objetivo. As 25 letras de 'ka' à 'ma' representam os 25 tattvas inferiores. As outras letras representam os tattvas superiores; e o último é o prāṇa-bīja (क्ष), a semente da vida.
        O terceiro unmēṣa é o āṇavopāya. O puruṣā que identifica ātmā com citta é o aṇu (jīva) e fica envolto por três véus. O primeiro véu é o corpo físico, o próximo é o puryaṣṭaka composto de prakṛti, guṇas, buddhi, ahaṃkāra, manas, órgãos (dos sentidos e de ação), elementos sutis (tanmātras) e elementos grosseiros (bhutas). O terceiro é o kañchuka, composto de niyati, kāla, rāga, vidyā e kalā, as forças do karma, tempo, desejo, percepção comum e consciência limitada, tudo devido a māyā. Deve-se transcender cada grupo de tattvas que formam um véu, meditando neles como sendo apenas um corpo. Este é dhyāna e deve ser acompanhado por prāṇāyāma, dhāraṇa, pratyāhāra e samādhi. Este progresso gradual em direção a Samādhi é a característica do āṇavopāya, mas śāmbhavopāya leva ao mesmo objetivo sem esforço.
        Os Tattvas são usados ​​para explicar a criação e a existência do Universo. Eles são geralmente divididos em três grupos: Shudda (puros) tattvas; Shuddhashuddha (puros-impuros) tattvas; e Ashuddha (impuros) tattvas. Os tattvas puros descrevem aspectos internos do Absoluto, enquanto os tattvas puros-impuros descrevem o Self e suas limitações. Os tattvas impuros incluem o universo e os seres vivos que auxiliam a existência da 'alma'. A escola monista do Shivaísmo da Caxemira concebe o universo como o processo de expansão do Absoluto, indicado por muitos termos, dependendo da escola e dos textos, muitas vezes como Paramaśiva ("Supremo Śiva"), ou mais simplesmente por Śiva; até Maheśvara ("Grande Senhor"); ou Parameśvara ("Senhor Supremo").
        Parameśvara (O Absoluto), também, não cria o mundo, mas se expande ou, como é descrito no Tantrāloka, se reflete em si mesmo como mundo. Portanto, Ele está além de qualquer outra coisa que pode ser experimentada, e o princípio do qual tudo deriva e do qual tudo é parte, deve ser entendido como tendo ao mesmo tempo as qualidades de transcendência e imanência. A expansão do Absoluto (cosmogonia) é descrita através de um conjunto de 36 princípios (tattvas), categorias entendidas como emanações do próprio Absoluto. Entre os poderes do Absoluto estão os diferentes aspectos da Śakti: 1- Cit: "Consciência transcendente". Poder intelectual (cit śakti) é a onisciência de Paramaśiva, descrita como Consciência absoluta. 2- Ānanda: "bem-aventurança". O poder da bem-aventurança (ānandaśakti) é descrito como exuberância espontânea, a alegria de Paramaśiva, algo como um jogo de criança (lilā) ou uma dança livre e feliz. Paramaśiva revela o mundo precisamente por causa dessa habilidade. 3- Icchā: "vontade". O poder da vontade (icchāśakti) é o potencial criativo. É o poder que revela o desejo e a vontade de Ser. 4-Jñāna: "conhecimento". O poder do conhecimento (jñānaśakti) é a capacidade de ideação, é a consciência do múltiplo dentro da unidade. 5- Kriyā: "atividade". O poder da atividade (kriyāśakti) é a capacidade de fazer os múltiplos aparecerem no mundo, sempre dentro da unidade.

        Os 36 tattvas do Shivaísmo da Caxemira são: Os cinco tattvas puros (Suddha tattvas) que descrevem aspectos internos do Absoluto.
1- Śiva. Também conhecido como Sakala tattva. Um dos dois aspectos do Absoluto, onisciente, onipresente e ilimitado.
2- Śakti. Outro aspecto do Absoluto. A polaridade Śiva-Śakti causa a criação de todos os tattvas inferiores; é onisciente e constantemente ativa. Estas duas propriedades da dupla Śiva-Śakti são conhecidas como jñāna e kriyā respectivamente. É a Śakti que polariza a Consciência em Ahaṃ (Self) e Idaṃ (isto).
3- Sadākhya. Também chamado Sadāśiva tattva. Estado em que há a primeira noção do Ser; pois aqui aparece incipientemente a primeira noção de "Aham e Idam" (Eu sou isso), que finalmente se torna um Eu "Self" e  o objeto "Isto" separados.
4- Īśvara. Īśvara tattva é a afirmação do objeto sobre o sujeito; é "este sou eu". Neste estágio predomina jñānaśakti o poder do conhecimento.
5- Śuddha Vidyā. Também conhecido como Sadvidyā. Śuddhavidyā tattva é o estágio no qual o sujeito e o objeto se equilibram e se conhecem distintamente, mas unidos; é "Eu faço isto" (ou também "Eu sou e isto é"). Neste estágio predomina kriyāśakti, o princípio da ação.
Os sete tattvas puros-impuros ou Vidyā tattvas descrevem a 'alma' e suas limitações, e são os "instrumentos" que auxiliam as 'almas' para sua liberação. O Self ou Ātman é considerado como "Puruṣa tattva" aqui, enquanto a manifestação final do todo-poderoso é conhecida como "Māyā tattva". Maya se manifesta em mais cinco tattvas conhecidos como "kanchukas" e estes seis tattvas se juntam ao puruṣa tattva e, assim, produzem sete vidya tattvas.
6- Māyā. A sexta categoria, que finaliza o caminho puro (śuddha), ao iniciar o caminho impuro (aśuddha), é māyā, outro aspecto do próprio poder divino, o poder da auto-limitação. Māyā tattva, portanto, não é "ilusão" no sentido que o Vedānta dá a esse termo, mas o poder do Absoluto, poder criativo do universo que pode ser experimentado. Em virtude da emergência de māyā, então, o 'Eu' e 'Isto' ficam definitivamente separados, a unidade original é bifurcada e a Consciência se divide em sujeito e objeto, é fragmentada em detalhes infinitos. Māyā opera através de uma série de cinco limitações, chamadas kañcuka ("manto" ou "armadura").
        Estes cinco kañcukas impedem o sujeito de reconhecer a natureza divina do Universo:
7- kāla - o manto do tempo. 8- vidyā - o manto do conhecimento limitado. 9- rāga - o manto do desejo. 10- niyati - o manto da causalidade. 11- kalā - o manto de ser limitado.
        A segunda parte da jornada impura, por outro lado, com algumas diferenças interpretativas, segue o conjunto das 25 categorias do Sāṃkhya, com um processo de individuação que dá origem ao Self limitado (puruṣa, conceito que indica o complexo de todas as "almas"). A matéria (prakṛti), é entendida não apenas como um substrato material, mas também mental... veja: Sāṃkhya.

     Os 25 tattvas são: "No sistema clássico, o primeiro princípio é (1) prakṛiti, considerado a causa da evolução. De prakriti emerge (2) intelecto (buddhi, também chamado mahat), em seguida (3) (ahaṃkāra) a autoconsciência, self. Da autoconsciência emergem os cinco elementos sutis (tanmātra): (4) odor (gandha), (5) sabor (rasa), (6) forma (rūpa), (7) tato (sparśa) e, (8) som (śabda). A partir dos elementos sutis emergem os cinco elementos materiais (mahābhūta): (9) Espaço ou éter (ākāśa), (10) ar (vāyu), (11) fogo (tejas ou agni), (12) água (ap) e (13) terra (pṛthivī). Em seguida, emergem os cinco órgãos dos sentidos (jnanendriya): (14) audição (śrotra) , (15) tato (tvak), (16) visão (cakṣus), (17) gosto (jihvā) e (18) cheiro (ghrāṇa), e cinco órgãos de ação (karmendriya): (19) fala (vāc), (20) apreensão (pāṇi), (21) locomoção (pāda), (22) evacuação (pāyu) e (23) procriação (upastha). Finalmente, a autoconsciência (ahamkara) produz o vigésimo quarto dos elementos básicos: (24) mente (manas), que, como um sexto sentido, faz a mediação entre os dez órgãos e o mundo exterior. O último, vigésimo quinto, tattva é (25) puruṣa."


॥ श्रीशिवसूत्राणि ॥ ॥ śrīśivasūtrāṇi)॥ Śrī Śiva Sūtras
१- शाम्भवोपाय [śāmbhavopāya] Primeiro Despertar [Método de Śambhū (Śiva)]
1- चैतन्यमात्मा ॥ १॥ [caitanyamātmā] ॥ 1॥
चैतन्यम् [caitanyam] Caitanya significa "consciência" ou "alma universal". É a consciência pura ou a natureza essencial do universo, consciência que tem absoluta liberdade de conhecimento e atividade (svātantrya)* आत्मा [ātmā] (Ātman) significa "essência, respiração, alma. O hinduísmo considera o Ātman eterno, imperecível, além do tempo. Ātman é um conceito metafísico e espiritual para os hindus, frequentemente associado em suas escrituras com o conceito de Brahman. Ātman, às vezes escrito sem um diacrítico como atman na literatura acadêmica, significa o "Self " do indivíduo (essência mais íntima), a alma*
A Consciência que é onisciente e onipotente e que tem absoluta liberdade (caitanyam) é o Self (ātmā).
Kṣemarāja: Caitanya é ātmā, e se refere a todo o universo que consiste em formas reais e irreais. "A consciência é Śiva anāśrita, a alma do universo, em oposição à teoria de que jīvātman e Īśvara são seres distintos". O que é conhecido é idêntico ao cit (consciência) que é auto-luminoso; daí caitanya é o mesmo que ātmā. Este primeiro sutra, por outro lado, afirma que o ser individual e o ser universal formam uma unidade. A realidade de todo este universo é a consciência Absoluta. Se a essência do universo, que é composta de seres conscientes e inconscientes, é a consciência de Paramaśiva, como pode surgir a escravidão? Neste segundo sūtra, o autor, ao unir e separar os dois primeiros sūtras “caitanyaṁ ātmā” e “jñānaṁ bandhaḥ”, unindo a letra a e não a unindo, responde à pergunta “Onde pode existir escravidão?”

2- ज्ञानं बन्धः ॥ २॥ [jñānaṃ bandhaḥ ॥ 2॥
ज्ञानम् [jñānam] conhecimento (empírico), sabedoria, erudição* बन्धः [bandhaḥ] servidão, apego, ligação*
Conhecimento é servidão.
Kṣemarāja: Foram descritos por meio deste Sutra os dois tipos de āṇavamala. (1) O que tem sido chamado de caitanya é caracterizado por independência; embora seja um ser consciente, se não exercer sua independência perde, portanto, sua sabedoria e pensa: “Eu sou finito” (essa é a escravidão do jñāna). (2) Aquele que perdeu sua independência por sua própria impureza, e pela atribuição das características do ātmā ao que não é ātmā, isto é, ao corpo, também é escravidão. A perda de independência do conhecedor e a perda de conhecimento pelo ser independente, são a forma dupla de āṇavamala, devido à supressão de sua natureza real.” Agora, está essa escravidão āṇavamala sozinha? Não. Por isso é citado no próximo Sutra:
3- योनिवर्गः कलाशरीरम् ॥ ३॥ [yonivargaḥ kalāśarīram] ॥ 3॥
योनि [yoni] causa (do mundo objetivo)* वर्गः [vargaḥ] classe* कला [kalā] atividade (limitada)* शरीरम् [śarīram] forma * योनिवर्गः [Yonivargah] significa maya e seus desdobramentos; e kalāśarīram [karmamala] incorporação de ações motivadas pelo karma.*
Yonivargah [Māyīyamala] e kalāśarīram [kārmamala] também causam escravidão.
        Kṣemarāja: "... a palavra caitanya significa a completa liberdade da consciência universal. Por causa da impureza āṇavamala, junto com kalā (ação limitada) e vidyā (conhecimento limitado), caitanya (a consciência universal independente) é perdida. É absorvida em rāga (apego) e limitada por kāla (tempo). Está confinada na escravidão de niyati (apego a um objeto particular). Essa limitação é fortalecida pela limitação do ego. É absorvida no corpo de prakṛiti e unida aos três guṇas, sāttva, rājas e tāmas. Fica estabelecida no intelecto (buddhi). Este Self Universal é limitado no self individual (jīvātman). Ele é limitado pela mente, pelos órgãos do conhecimento, pelos órgãos de ação, pelos cinco tanmatras e, finalmente, pelos cinco elementos grossos..." 
         O karma é bom ou ruim. Sempre que você fizer alguma ação, será uma ação boa ou ruim. Com boas ações, você cairá, com más ações, você cairá. Somente a ação independente leva você ao Senhor. E isso não é realmente ação, mas svātantrya. A ação é sempre limitada e sempre boa ou ruim. Mas agora a pergunta pode ser feita: como este mala tríplice se torna a causa da escravidão?
4- ज्ञानाधिष्ठानं मातृका ॥ ४॥ jñānādhiṣṭhānaṃ mātṛkā] ॥ 4॥
ज्ञान [jñāna] conhecimento (limitado)* अधिष्ठानम् [adhiṣṭhānam] base* मातृका [mātṛkā] mãe desconhecida ou incompreendida que gera todo universo, ou o poder do som que corresponde às letras do alfabeto.*
Mātṛikā (Mãe ou poder do som) é a base do conhecimento.
Kṣemarāja: Mātṛikā, a Mãe Universal, é a regente do conhecimento triplo que consiste em āṇavamala, māyīyamala e kārmamala. Aqui, a palavra mātṛikā significa ajñātā mātā. Ajñātā mātā é o estado onde a energia universal é conhecida de maneira errada. Quando a energia universal é conhecida de maneira correta, é svātantrya śakti. Quando é conhecido de maneira errada, é a energia da ilusão e é chamada de māyā śakti. Então mātṛikā é ambos. Mātṛikā significa ajñātā mātā quando a energia universal não é conhecida corretamente e Svātantrya quando é conhecida corretamente. Isso significa que Svātantrya controla os três instrumentos de escravidão. Svātantrya é sua vontade: Se você se liga ou se você se liberta, ambos estão sob o seu controle. O tríplice mala, que foi definido anteriormente, é primeiro o sentimento de incompletude, conhecimento limitado e as impressões de prazer e dor. A regente destas três malas é, portanto, a Mãe Universal (mātṛikā) que permeia todas as letras do alfabeto de 'a' a 'kṣa'. Esta mãe não somente permeia o mundo do alfabeto (vācaka), mas também o mundo objetivo (vācya) formado por todas as letras. Vācya significa o mundo ou os objetos criados pelas palavras que, por sua vez, são a combinação das letras ou o poder inerente a elas.
5- उद्यमो भैरवः ॥ ५॥ [udyamo bhairavaḥ] ॥ 5॥
उद्यमः [udyamaḥ] o ato de levantar, elevação, eclosão, reluzir* भैरवः [bhairavaḥ] Realidade Suprema (Para Brahman)*
Bhairava é a elevação repentina da consciência pura. 
        Kṣemarāja: Bhairava é a eclosão espontânea da Consciência Pura. Udyama é o reluzir da Luz Suprema (Pradbhā), a elevação repentina da consciência pura que flui como uma meditação ininterrupta. É o mesmo que Śiva-Śakti. Esse udyama pode, por si só, ser chamado de Bhairava, na medida em que é o meio para revelar Bhairava, que é o seu Ser essencial. Esse udyama aparece naqueles que são devotados a Ele, porque toda a sua atenção está concentrada no princípio Bhairava interior. Isso é o que foi ensinado neste sutra.
        Agora, no sūtra seguinte, o autor explica como, pela intensidade da meditação (parāmarśa), o estado externo da consciência dualista é absorvido na consciência não-dualista.
6- शक्तिचक्रसन्धाने विश्वसंहारः ॥ ६॥ [śakticakrasandhāne viśvasaṃhāraḥ´] ॥ 6॥
शक्ति [Śakti] poder, força, energia * चक्र [cakra] círculo, roda, multidão* शक्तिचक्र [śakticakra] roda das energias* सन्धाने [sandhānē] unindo, juntando* विश्व [viśva] todo universo* संहारः [sanhāraḥ] dissolução, desaparecimento*
A união com śakticakra, [produz] a destruição do Universo.
Kṣemarāja: "Quando a consciência Bhairava surge, o universo inteiro aparece como uma expressão da Śakti de Śiva e quando a mente do aspirante está unida àquela Śakti com intensa concentração, o mundo como algo separado da consciência desaparece... a manifestação do śakti-cakra em todos os estágios da criação, isto é, em todas as experiências psíquicas, desde a cognição comum dos objetos, até o estágio final do Supremo Conhecedor, é apenas um jogo dela consigo mesma. Na meditação regular sobre o śakti cakra que se manifesta como acima, da maneira prescrita nas escrituras secretas, produz-se a destruição do universo de Kalagni a Rasakala. O universo composto de corpos e objetos é queimado no fogo. da consciência suprema. Está expresso no Bhargashikha: "Ele então engole tudo isso, morte, tempo, a totalidade dos kalās, todos os fenômenos, todos as cognições, todas as diferenças dos ātmās". Também no Viravall: "Eis a pira funerária no corpo, que brilha como o Kalanala, onde todos os tattvas vão para o pralaya. “Essa coisa que não pode ser descrita em palavras, deve ser realizada apenas pela mente. O estado que todos alcançam é chamado de Shakta". Isto tem que ser desenvolvido pela devoção aos pés do verdadeiro guru e não pode ser descrito completamente.

7- जाग्रत्स्वप्नसुषुप्तिभेदे तुर्याभोग(संवित्)सम्भवः ॥ ७॥ [jāgratsvapnasuṣuptibhede turyābhoga(saṃvit)sambhavaḥ] ॥ 7॥

जाग्रत् [jāgrat] vigília* स्वप्न [svapna] sono * सुषुप्ति [suṣupti] sono profundo* भेदे [bhede] diferente* तुर्य [turya] quarto estado* आभोग [ābhoga] prazer e desfrute* संवित्स [saṃvit] reconhecimento* म्भवः [sambhavaḥ] há*
O estado de consciência turya é experimentado através dos estados diferenciados de vigília, sonho e sono profundo.
Bhaskara: Diz-se que o Quarto Estado é (contemplação), ié. a consciência reflexiva da unidade (Ser indiviso) da própria natureza essencial (svasvarupaika-ghanata) porque permeia todos (outros estados) da consciência. É a consciência, chamada de extensão do Quarto Estado da condição permanente em que a ignorância desapareceu. É a natureza (interna) do sujeito que percebe que assim permanece claramente evidente e se estende (como um) mesmo quando a divisão prevalece devido à vigília e a outros estados.
8- ज्ञानं जाग्रत् ॥ ८॥ [jñānaṃ jāgrat] ॥ 8॥
ज्ञानम् [jñānam] conhecimento* जाग्रत् [jāgrat] estado de vigília*
Durante o estado de vigília ocorre a formação do conhecimento intelectual.

9- स्वप्नो विकल्पाः ॥ ९॥ [svapno vikalpāḥ] ॥ 9॥
स्वप्नः [svapnaḥ] sono* विकल्पाः [vikalpāḥ] fabulação, fantasia*
O estado do sono é permeado por fabulações e fantasias.

10- अविवेको माया सौषुप्तम् ॥ १०॥ [aviveko māyā sauṣuptam] ॥ 10॥
अविवेकः [avivekaḥ] falta de discernimento* माया [māyā] ilusão* सौषुप्तम् [sauṣuptam] sono profundo*
O estado de sono profundo é māyā, ausência de discernimento.
Kṣemarāja: Dá o sentido usual e convencional dos três estados de consciência, isto é, vigília, sonhar e dormir sem sonhos. O estado de vigília é aquele em que o conhecimento dos objetos é produzido nas pessoas por meio dos sentidos externos e os objetos têm uma conotação comum para todos. O estado onírico é aquele em que o conhecimento é produzido apenas pela mente (sem contato com o mundo externo), que é meramente uma construção de pensamento (vikalpah) e que tem um objeto incomum (ou seja, que é um tipo particular de conhecimento para cada indivíduo). É chamado de sonho porque é caracterizado por uma ideação não comum. Aquilo que é um estado de aviveka, ou seja, completa falta de consciência é o sono profundo ilusório. Ao definir estado de sauṣupta, o sutra descreve incidentalmente também a natureza de Maya que deve ser eliminada.

11- त्रितयभोक्ता वीरेशः ॥ ११॥ [tritayabhoktā vīreśaḥ] ॥ 11॥
त्रितय [tritaya] na tríade (vigília, sono e sono profundo)* भोक्ता [bhoktā] desfrutador* वीरे [vīra] herói (aqui, sentidos) * इशः [iśaḥ] senhor*
O desfrutador dos três estados é o senhor dos sentidos.
Kṣemarāja: Os "três estados" são, como seria de esperar, aqueles de vigília, sonhar e dormir profundamente, enquanto o "Senhor dos Heróis" é o iogue que, tendo descoberto sua verdadeira identidade divina, é dono de seus sentidos. A lacuna entre um estado e o próximo através do qual o iogue vislumbra o Quarto Estado, expande-se até que ele seja levado além de todos os níveis e estados em sua experiência da unidade do absoluto (anuttara). Consciente da verdadeira natureza do sujeito e do objeto em todos os três estados, o yogin não é mais uma vítima (bhogya) desses estados, mas seu mestre, e alcança a liberação ainda em vida (jīvanmukti).
12- विस्मयो योगभूमिकाः ॥ १२॥ [vismayo yogabhūmikāḥ] ॥ 12॥
विस्मयः [vismayaḥ] maravilhoso, surpreendente* योग [yoga] yoga* भूमिकाः [bhūmikāḥ] estágios*
Os estágios do yoga são surpreendentes.
Kṣemarāja: Quando um homem vê algo novo e peculiar, ele sente uma sensação de surpresa. Da mesma forma, quando um grande yogin percebe, contempla ou desfruta inesperadas, excelentes e novas experiências ”que fluem em sua consciência, de acordo com suas faculdades superiores que estão sendo abertas, ou ampliadas", ele experimenta uma sensação de surpresa. Estas são as etapas que levam à união com o princípio supremo. Eles são os estágios de descanso na ascensão do Yogin; são regiões de consciência limitada e não estados quando kanda, bindu, etc., são experimentados. A mesma ideia foi expressa no Kulayukti: "Quando os aspirantes percebem o Self por si mesmos, o Self experimenta uma agradável surpresa dentro de si mesmo."

13- इच्छाशक्तिरुमा कुमारी ॥ १३॥ [icchāśaktirumā kumārī] ॥ 13॥
इच्छाशक्तिः [icchāśaktiḥ] Poder da vontade* उमा [umā] Umā (esplendor de Śiva)* कुमारी [kumārī] Kumari (natureza lúdica de uma jovem virgem)*
O poder da vontade do yogin que está unificado a Śiva é Umā (esplendor de Śiva) que é Kumari.
Kṣemarāja: Sua vontade é a energia (śakti) do Senhor Śiva. E, sua vontade não é apenas energia, ela também é chamada de umā e kumārī. O autor forneceu esses três nomes para a vontade de tal yogin. A vontade do yogin, que alcançou completamente o estado de Bhairava e se identificou com o supremo Bhairava, é a energia do Senhor Śiva. Também se identifica com umā. Aqui, neste sūtra, a palavra umā não se refere à esposa do Senhor Śiva. Aqui a palavra umā refere-se à energia independente do supremo Senhor Śiva (svātantrya). A vontade deste yogin também é chamada de kumārī. A palavra sânscrita kumārī pode ser traduzida e entendida de várias maneiras. Pode ser que kumārī se refira a essa energia que atua no universo, criando, protegendo e destruindo-o. Mas por que usar essa definição? Porque na gramática sânscrita, a palavra kumāra está contida no significado de krīḍā, que significa “diversão”. Kumārī, portanto, significa aquela energia que sempre entra em jogo.

14- दृश्यं शरीरम् ॥ १४॥ [dṛśyaṃ śarīram] ॥ 14॥
दृश्यम् [dṛśyam] visível, perceptível* शरीरम् [śarīram] corpo*
Todos os fenômenos objetivos externos ou internos são como seu próprio corpo.
Kṣemarāja: "O que quer que seja perceptível seja interior ou exteriormente, tudo o que parece a esse yogin é como seu próprio corpo, ou seja, idêntico a si mesmo e não como algo diferente dele. Isso é por causa de sua grande realização (de identidade com a consciência Universal). Seu sentimento é (aham idam) 'Eu sou isso', assim como o sentimento de Sadasiva em relação ao universo inteiro é 'Eu sou isso'.

15- हृदये चित्तसङ्घटाद्दृश्यस्वापदर्शनम् ॥ १५॥ [hṛdaye cittasaṅghaṭāddṛśyasvāpadarśanam] ॥ 15॥

हृदये [hṛdaye] coração da consciência* चित्त [citta] mente* सङ्घटात् [saṅghaṭāt] está unida* दृश्य [dṛśya] todo fenômeno * स्वाप [svāpa] estado de sono, vazio* दर्शनम् [darśanam] observável*
Quando a mente está unida ao 'coração da consciência', todo fenômeno observável e até mesmo o vazio aparecem como uma forma de consciência.
Kṣemarāja: Hrdaya (aqui) significa a luz da consciência (cit), na medida em que é o fundamento de todo o universo. Citta-saṅghaṭāt significa a concentração da mente inquieta nisso (na luz da consciência), Dṛśya significa o aparecimento "de todos os fenômenos objetivos como o azul, o corpo, o prana e a mente". Svāpa (sono) significa o vazio, ou seja, a ausência de todo fenômeno objetivo. Darśanam significa a aparência de tudo como é em sua realidade essencial, desprovida da distinção entre sujeito e objeto como um componente de si mesmo. Não há dúvidas de que a mente que entra intensamente na luz universal da consciência fundamental vê todo o universo saturado dessa consciência (cit). "Este Sutra diz que para o yogin que desenvolveu Icchāśakti (Poder da Vontade) , todo o mundo objetivo, incluindo o corpo, aparece como uma forma de consciência".

16- शुद्धतत्त्वसन्धानाद्वापशौशक्तिः ॥ १६॥ [śuddhatattvasandhānādvāpaśauśaktiḥ] ॥ 16॥
शुद्धतत्त्व [śuddhatattva] princípio puro, Paramaśiva* सन्धानात् [sandhānāt] união* वा [vā] ou* अ [a] ausência * पशु [paśu] self limitado * शक्तिः [śaktiḥ] poder *
Ou pela consciência constante do Princípio Puro (Paramaśiva), ele se livra do poder escravizador existente no self limitado.
Kṣemarāja: Suddha tattva significa Paramasiva ou o Supremo Śiva, o Princípio Absoluto, enquanto nisto (Princípio Puro de Śiva ou Consciência Absoluta), ele (o aspirante) se torna consciente do universo como o próprio, ié. como Śiva, então ele se torna o senhor do mundo como Sadaśiva, e como ele se torna não-paśuśakti isto é alguém em quem o poder escravizador atribuído ao paśu (pasvakhya bandhasakti) está ausente (avidyamana). A mesma ideia também foi expressa no seguinte verso do Spandakarika: "Aquele que conhece assim (ou seja, é o próprio experimentador que aparece na forma do objeto da experiência), e considera o mundo inteiro como uma diversão (do Divino), estando sempre unido (com a consciência universal) é, sem dúvida libertado mesmo enquanto vivo (jīvanmukti)".

17- वितर्क आत्मज्ञानम् ॥ १७॥ [vitarka ātmajñānam] ॥ 17॥
वितर्कः [vitarkaḥ] inabalável consciência (vitarka, neste contexto, não significa deliberação que é meramente pensamento-construção, mas consciência inabalável, uma consciência com plena convicção.* आत्मज्ञानम् [ātmajñānam] conhecimento do Self*
Uma consciência com plena convicção (de que é Śiva) constitui o conhecimento do Self.
Kṣemarāja: Para esse yogin, a consciência inabalável de que "eu" sou Śiva, o Self do universo, constitui o conhecimento do "Self". A mesma ideia foi expressa no Vijnana-bhairava no seguinte verso: "O Supremo Senhor é onisciente, onipotente e onipresente. Como eu tenho os atributos de Śiva, eu sou realmente Śiva. Com essa forte convicção, (o yogin) se torna Śiva". (Verso, 102).
        "Quando o yogin afirma que ele é Śiva, todas as dualidades em sua mente são dissolvidas, somente Śiva prevalece, o yogin também se torna Śiva. Isso ocorre por crença e não por raciocínio. O raciocínio não surge porque ele vê tudo com os olhos de Śiva, sujeito e objeto são Śiva".

18- लोकानन्दः समाधिसुखम् ॥ १८॥ [lokānandaḥ samādhi sukham] ॥ 18॥
लोक [loka] mundo (tanto subjetivo como objetivo)* अनन्दः [anandaḥ] júbilo, felicidade * समाधि [samādhi] absorção ou concentração ininterrupta em Śiva* सुखम् [sukham] júbilo (provocado pelo samādhi*
A felicidade que o yogin sente como o conhecedor do mundo (objetivo e subjetivo), é o júbilo provocado pelo samadhi.
Mark Dyczkovisk: A palavra sânscrita loka pode significar três coisas, "luz", "mundo" ou "pessoas". Bhaskara opta pelo primeiro destes significados e assim entende lokānandaḥ como "a bem-aventurança da luz da consciência". Kṣemarāja, no entanto, escolhe os dois últimos significados e assim explica que loka é tanto aquilo que é iluminado pela luz da consciência, ou seja, o campo da objetividade e a luz que o ilumina, ou seja, o sujeito que percebe. É o Ato puro (sphurana) da consciência que, não separa sujeito e objeto (interno ou externo), flui continuamente entre esses dois pólos como a transformação incessante de um para o outro. O yogin envolvido neste movimento está livre da distinção entre sujeito e objeto e repousa no centro entre eles, mesmo quando ele observa ambos na morada da subjetividade universal, onde experimenta a "alegria da contemplação" como o êxtase interior de sua inata felicidade. Ainda, Kṣemarāja sugere que esse aforismo significa que a alegria de contemplação que o yogin sente quando ele repousa em sua própria natureza pode ser transmitida a outros que estão aptos a recebê-lo. O sujeito receptivo que vê o yogin imerso na contemplação, e está consciente de seu estado, experimenta sua bem-aventurança dentro de si também.

19- शक्तिसन्धाने शरीरोत्पत्तिः ॥ १९॥ [śaktisandhāne śarīrotpattiḥ] ॥ 19॥
शक्ति [śakti] poder* सन्धाने [sandhāne] unido* शक्तिसन्धाने [śaktisandhāne] absorvido em Icchāśakti* शरीर [śarīra] corpo* उत्पत्तिः [utpattiḥ] surgir, produção, origem* शरीरोत्पत्तिः incorporação [daquilo que é desejado]*
[Com a mente] uni-direcionada, o yogin fica totalmente unido a Icchāśakti, então ocorre a incorporação [daquilo que é desejado].
Mark Dyczkovisk: Kṣemarāja mais uma vez entende esse aforismo de uma maneira diferente. Ele considera que śaktisandhāne não significa "a união das energias", como entende Bhaskara, mas a "contemplação do poder". Assim, o ensinamento aqui, de acordo com Kṣemarāja, não diz respeito à geração de um novo corpo transfigurado para o yogin, mas à contemplação da vontade. "Iniciação, as práticas que conduzem à obtenção dos poderes (siddhi), Mantra, continuação da prática mântrica e yoga", são todas infrutíferas se não conseguirmos contemplar a energia inata de nossa própria consciência. A fonte de todos os deuses e seus poderes, é a energia vital que anima a respiração e sai de si mesma como conhecimento e ação. Assim, o yogin pode fazer uso do fluxo de energia que ele experimenta no curso de sua contemplação para criar o que quer que deseje, tanto dentro de si mesmo enquanto sonha e externamente no estado de vigília.

20- भूतसन्धान-भूतपृथक्त्व-विश्वसङ्घट्टाः ॥ २०॥ [bhūtasandhāna-bhūtapṛthaktva-viśvasaṅghaṭṭāḥ] ॥ 20॥

भूत [bhūta] entidades existentes* सन्धान [sandhāna] juntar partes, unir* भूतसन्धान [bhūtasandhāna] O poder de unir ou juntar partes* भूतपृथक्त्व [bhūtapṛthaktva] separar elementos* विश्व [viśva] tudo, todos* सङ्घट्टाः [saṅghaṭṭāḥ] reunir, juntar, unir, recolher* विश्वसङ्घट्टाः [viśvasaṅghaṭṭāḥ] o poder de reunir tudo (removido pelo espaço e pelo tempo)*
Os outros poderes sobrenaturais do yogin são: (1) O poder de unir ou juntar partes em todos os existentes. ié. poder de síntese; (2) o poder de separar elementos dos existentes, ou seja, o poder analítico e (3) o poder de reunir tudo (removido pelo espaço e pelo tempo).
        Kṣemarāja: Bhūta significa todos os existentes como corpo, prana, objetos, etc. sandhāna significa sua adição ou união para promover o crescimento, etc. Assim, bhūtasandhāna significa o poder de unir elementos da existência para o aumento ou promoção do crescimento. Bhūtapṛthaktva significa o poder de separar elementos do corpo, etc., para curar doenças físicas, etc. Viśvasaṅghaṭṭāḥ significa o poder de reunir todas as coisas (viśva) removidas pelo espaço e tempo, etc., tornando-as objetos de seu próprio conhecimento. Todos esses poderes se desenvolveram quando ele foi capaz de unir sua consciência com Icchāśakti como mensionado anteriormente. Isto é citado em todos os agamas no capítulo sobre Sadhana (os meios de realizar, dominar, superar).
        No Spandakarika tais poderes foram descritos de uma maneira bem fundamentada no capítulo que lida com poderes super-normais (vibhuti), por exemplo, "Assim como até mesmo uma pessoa fraca prossegue fazendo seu trabalho tomando posse desse poder (spanda) [Spanda = a pulsação criativa Divina; o poder criativo inerente à consciência do Eu], então mesmo aquele que está extremamente faminto pode subjugar sua fome ... [O iogue adquire controle sobre a fome, sede etc. por spandaśakti. Isto descreve o poder de controlar os instintos físicos] (111, 6).
"Assim como um ladrão leva embora os objetos de valor da casa, assim, também, a depressão consome a vitalidade do corpo Esta depressão procede da ignorância. Se a ignorância desaparece por unmesa, como pode essa depressão durar na ausência de sua causa [Este verso descreve o poder de curar todas as emoções] (111, 8)
        "Como uma coisa que era vagamente percebida a princípio, apesar da atenção mental, fica mais clara quando observada novamente com todo o esforço da Vontade, mesmo assim aquela coisa que existia na realidade (yat paramarthena) em qualquer forma (yena), em qualquer lugar ou tempo (yatra), de qualquer maneira (yatha) se manifesta imediatamente de novo (na mesma forma, lugar ou tempo e caminho) para alguém que recorre ao poder do spanda. " [Isso descreve o poder de trazer de volta à consciência todos os objetos e eventos do passado que são desconhecidos] (111, 4 e 5).

21- शुद्धविद्योदयाच्च्क्रेशत्वसिद्धिः ॥ २१॥ [śuddhavidyodayācckreśatvasiddhiḥ] ॥ 21॥
सिद्धिः [siddhiḥ] [O yogin] alcança* ईशत्व [iśatva] o domínio* चक्र [cakra] sobre o grupo coletivo de poderes* उदयात् [udayāt] por meio do surgimento* शुद्धविद्या [śuddhavidyā] o conhecimento puro*
(O yogin) alcança o domínio sobre o grupo das Śaktis através do surgimento do śuddhavidyā (conhecimento puro)".
        Kṣemarāja: Quando o yogin une sua consciência com Śakti através da intensa concentração, então através do aparecimento de Śuddhavidyā (aqui significa aquela consciência suprema na qual tudo aparece como Eu. É o 'unmana avastha'), ele consegue adquirir o supremo poder de Śiva na forma de completo domínio sobre Seu grupo universal de Śaktis..."Ela é considerada Vidyā, porque ela traz a investigação da característica sem começo de Śiva, viz; Svatantrya śakti, porque ela traz o conhecimento do Eu Superior e porque ela dissipa tudo o que não é o Eu Superior. Estabelecido naquele (isto é, no estado de Unmana), pode-se manifestar a mais alta luz (esta luz é a luz primal Cit), a causa mais elevada. Se alguém está estabelecido naquela manifesta Luz mais alta (a luz mais alta é também a causa mais alta, ié. Śiva), ele pode alcançar o estado de Śiva".
        "Este sutra descreve o poder da consciência universal ou consciência cósmica adquirida pelo yogin. Depois de adquirir esse poder, o yogin percebe todo o universo como seu Ser. No sutra 14, foi mostrado que o yogin sente sua identidade com cada objeto, sua consciência é da forma 'Aham-idam' ou 'eu sou isso' em relação a cada objeto separadamente. Aqui se afirma que quando o yogin adquire a consciência universal, sua consciência é da forma 'Aham-eva Sarvam' ié "Eu mesmo sou tudo".

22- महाह्रदानुसन्धानान्मन्त्रवीर्यानुभवः ॥ २२॥ [mahāhrada anusandhānāt mantravīryānubhavaḥ] ॥ 22॥

महाह्रद [mahāhrada] o grande lago, o reservatório infinito do Poder Divino* अनुसन्धानात् [anusandhānāt] pela identificação mental* मन्त्रवीर्यानुभवः [mantravīryānubhavaḥ] experiência da suprema Consciência do Eu (Self) que é a fonte geradora de todos os mantras*
Unindo-se ao grande lago (o reservatório infinito do Poder Divino), (o yogin tem) a experiência da Suprema consciência do Eu (Self), que é a fonte geradora de todos os mantras.
        Kṣemarāja: A suprema Consciência (para-samvit) [Parasamvit, paraśakti, parahanta, paravak e svātantrya são termos sinônimos que denotam a Suprema consciência de Śiva] posicionando Ichhā Śakti como a principal Śakti, projetando o universo (do mais sutil) até objetos grosseiros, formando um grande lago. É assim chamada, porque põe em movimento todo o grupo do khecarī cakra (1) [Khecarī, gocari, dikcari e bhucari] e outras correntes...
Por estar mentalmente unido a ela (anusandhanat), ié. por estar internamente ciente da identidade incessante com ela, há a experiência do mantra da suprema consciência do Eu, que é a fonte geradora de todos os outros mantras e que se expande na forma de um multidão de palavras a serem descritas na seqüência. Essa experiência brilha como uma forma do próprio eu.
Portanto o Malinivijaya Tantra começa com: "Ela é a Śakti do criador do mundo e diz-se estar em constante e íntima união com Ele, e se torna, Ó deusa, Icchā (a vontade) daquele senhor desejoso de criar" (III, 5)
        E depois de mostrar que esta Śakti aparece como o universo inteiro na forma de Mātṛikā e Malini (2) com uma variedade de cinquenta letras com Ichhā Śakti (Divina Força de Vontade) tomando a parte principal, descreve o surgimento do mantra da consciência do Self através daquela Śakti (tata eva). Assim, a suprema Śakti é o grande lago. Certamente unindo sua mente a ela, o yogin tem a experiência do poder do mantra cuja natureza é Mātṛikā e Malini.
Notas
        1. Khecarī cakra e outras correntes - O grupo de correntes de poder aqui referidas são - khecarī , gocari, dikcari e bhucari. Khecarī está conectado com o pramata, o experiente; gocari está conectado com seu antahkarana ou com o aparato psíquico interno; dikcari está conectado com o bahiskarana, ou seja, os sentidos externos; O bhucari está conectado com os bhavas, os existentes ou os objetos externos. Os śakti cakras indicam os processos de reificação da consciência universal. Por Khecarī Cakra, a pessoa é reduzida da posição de uma consciência onisciente para a de um experiente limitado; por gocari cakra, ele se torna dotado de um aparato psíquico interno; por dikcari cakra, ele é dotado de sentidos externos; por bhucarl cakra, confina-se a bhavas ou objetos externos.
Khecarī é aquele que se move em kha ou akasa. Kha ou akasa é aqui um símbolo da consciência. Esta Śakti é chamada Khecarī, porque sua esfera é kha ou consciência. Gocari é assim chamado, porque sua esfera é o aparato psíquico interno. A palavra sânscrita 'go' indica movimento. O antahkarana é a sede dos sentidos e os coloca em movimento; é o aparato dinâmico do Self por excelência. Por isso é dito que é a esfera de gocari. dikcari é a Śakti que se move no dik (espaço). Os sentidos externos estão relacionados com o espaço; por isso, dizem que são a esfera de dikcari. A palavra bhu em bhucari significa existência. Portanto, os objetos existentes são a esfera do bhucari Śakti.
        2. Mātṛikā-Malini: Mātṛikā expressa as cinquenta letras do alfabeto sânscrito na ordem regular. Mātṛikā significa a mãe desconhecida, ou seja, a mãe cujo mistério não é realizado. A etimologia de Malini é "malate visvam antah dhatte", ié. Malini é quem detém o universo dentro de si. Malini indica as cinquenta letras do alfabeto do sânscrito em uma ordem irregular como dada abaixo:

न ऋ ॠ ऌ ॡ थ च ध ई ण उ ऊ ब क ख ग घ ङ इ अ व भ य ड ढ ठ झ ञ ज र ट प छ ल आ स
na ṛ ṝ ḷ ḹ tha ca dha ī ṇa u ū ba kha kha ga gha ṅa i a va bha ya ḍa dha ṭha jha ña ja ra ṭa pa cha la ā sa

अः ह ष क्ष म श अं त ए ऐ ओ औ द फ
aḥ ha ṣa kṣa ma śa aṁ ta e ai o au da pha

Conclusão do capítulo l "Śāmbhavopāya"
Esta primeira seção foi denominada Śāmbhava-upāya [Śāmbhava é Śāmbhu o próprio Śiva, e upāya é meios de realização, então Śāmbhavopāya denota os meios para realização espiritual onde o foco é o próprio Śiva] para a aquisição da consciência Bhairava que, como já foi descrito (no Sutra l- 5), ​​é a súbita emergência da Suprema consciência do Eu, que colapsa toda a escravidão, (anava, mayiya e karma). Torna o universo cheio de ambrosia através de sua própria bem-aventurança, e assegura todos os poderes super normais até o estabelecimento do mantra da Suprema consciência do Eu, que é a fonte geradora de todos os outros mantras. No meio, a natureza da Śakti também foi descrita. Isso é com o propósito de mostrar o poder da consciência do Śāmbhava. Que haja prosperidade para todos.
"Aqui termina a primeira Seção do Comentário Vimarsini sobre os Śiva Sutras, pertencente ao Śāmbhavopāya por Kṣemarāja, inclinado aos pés de lótus do glorioso Abhinavagupta, o melhor entre os veneráveis ​​grandes mestres do Shivaísmo".

२- शाक्तोपाय [śāktopāya] Segundo despertar [Método da śākti]

1- चित्तं मन्त्रः ॥ १॥ [cittaṃ mantraḥ] ॥ 1॥
चित्तम् [cittam] citta significa, aqui, aquilo através do qual a suprema realidade é conhecida* मन्त्रः [mantraḥ] uma fórmula que consiste em uma palavra ou um conjunto de palavras dirigidas a uma divindade. Nesse contexto, mantra significa a consciência mental pela qual a pessoa sente sua identidade com a Realidade mais elevada, consagrada em um mantra, e assim se salva de um senso de separação e diferença*
Pela integração da própria consciência com a Realidade Mais Elevada consagrada em um mantra e, assim, tornando-se idêntica a essa Realidade, a própria mente [citta] se torna mantra.
        Kṣemarāja: Citta é aquilo que através do qual a suprema verdade é conhecida e reflete a Suprema Realidade. Em outras palavras, é a consciência que reflete sobre prāsāda (prāsāda é o nome técnico do mantra sauḥ), pranava e outros mantras que constituem a característica essencial da perfeita Śakti (luz da consciência).
        Aquilo pelo qual se delibera secretamente, ou seja, medita-se interiormente como sendo não-diferente do Senhor Supremo, é Mantra. Assim, o próprio citta é mantra. A interpretação etimológica do mantra aponta para a sua característica de manana (pensamento, reflexão), ié. reflexão sobre a mais alta luz da consciência do Eu (Self) e a outra característica é trana, ou seja, proteção, libertando do saṃsāra causado pelo conhecimento limitado. A mente do devoto intensamente concentrada na consciência da divindade associada ao mantra adquire identidade com essa divindade e assim se torna esse próprio mantra. É essa própria mente que é mantra, não um mero amontoado de várias letras.
        No Tantrasadbhava está escrito: "Aquela que é considerada a imperecível Śakti (Saktira-vyaya) é a alma de todos os mantras. Ó justo, sem ela, (Śakti), eles (os mantras) são inúteis como nuvens outonais ".
        No Srikanthi-Samhita, foi citado: "Se o praticante do mantra é diferente do mantra, então seu mantra nunca será bem-sucedido. O conhecimento (da consciência divina) é a raiz de tudo isso. Sem ele, um mantra nunca será bem-sucedido".

2- प्रयत्नः साधकः ॥ २॥ [prayatnaḥ sādhakaḥ] ॥ 2॥
प्रयत्नः [prayatnaḥ] esforço contínuo* साधकः [sādhakaḥ] realização, eficaz para a realização *
É pelo esforço contínuo que a realização é conquistada.
Bhaskara: Admirável é o esforço (exercido) para penetrar na natureza da mente. É a função (vṛtti) da vitalidade, já mencionada, e é (gerada) pela meditação repetida (nibhālana). Diz-se que é o principal meio para atingir o objetivo. O próprio Śiva descreveu-o no Trikasāra (Essência do Trika) (onde Ele diz): -- "O mantra é a natureza inerente (svasvabhāva) do poder da consciência, pois ao concentrar (manana) nele constantemente o yogin fica bem estabelecido na Consciência de Śiva. É em virtude disso que os yogins que aplicam suas mentes no Yoga conhecem (a verdadeira natureza) da realidade suprema (paramārtha)".
        Esse (esforço) é reconhecido como a maior ajuda possível para atingir o objetivo. Anunciado pela cessação da consciência diversificada que o sujeito, (obtém) ao retirar (a mente) repetidamente de sua atividade externa, (este esforço) é o fluxo de uma concentração uni-direcionada (pratyayaikatānatā) centrada na identidade (tādātmya) entre o Self na forma do objeto da meditação e a natureza essencial do mantra como descrito acima.
        Kṣemarāja explica que o esforço, neste contexto, significa a força espontânea da percepção que o yogin aplica para capturar o momento inicial em que ele pretende contemplar o Mantra. O desdobramento inicial de seu pensamento, carregado com o poder do Mantra, é o ponto em que ele pode alcançar a unidade com a divindade que ele simboliza, como o versículo 31 das 'Estancias' ensina. 
        Para fazer isso, ele deve tentar pegar esse momento fugaz em um único e rápido movimento de consciência. Para ilustrar este ponto, Kṣemarāja cita a Essência dos Tantras (Śrītantrasadbhāva):
"Ó querido, assim como uma ave de rapina, vislumbrando no céu um pedaço de carne (mergulha sobre ele), rapidamente o captura com sua velocidade natural, assim o melhor dos iogues capta a luz da consciência (mano bindu). Assim como uma flecha montada em um arco e puxada com grande força voa para frente, assim, amado, o Bindu voa para a frente pela força da consciência (uccāreṇa)".

3- विद्याशरीरसत्ता मन्त्ररहस्यम् ॥ ३॥ [vidyāśarīrasattā mantrarahasyam] ॥ 3॥
सत्ता [sattā] o ser luminoso da perfeita consciência do Eu* शरीर [śarīra] svarupa ou essência * विद्या [vidyā] do conhecimento do mais elevado não-dualismo * रहस्यम् [rahasyam] segredo * मन्त्र [mantra] mantra *
O ser luminoso cuja essência consiste no conhecimento da unidade é o segredo do mantra.
Kṣemarāja: Vidya significa conhecimento do não-dualismo mais elevado, 'Śarīra' significa svarupa, ou seja, forma própria, essência. Vidyā-śarīra significa aquela multidão de palavras cuja essência consiste em vidyā, isto é, o conhecimento do mais elevado não-dualismo: Sattā significa ser, ou seja, o ser luminoso da perfeita consciência do Eu que não é diferente de todo o cosmo. Vidyā-śarīra-sattā significa, portanto, o ser luminoso da perfeita consciência do Eu, que não é diferente de todo o cosmo e que é inerente à multidão de palavras cuja essência consiste no conhecimento do mais elevado não-dualismo. Mantrarahasyam significa o segredo do mantra.
Todo o sutra, portanto, significa: "O ser luminoso da perfeita consciência do Eu, que não é diferente de todo o cosmos e que é inerente à multidão de palavras cuja essência consiste no conhecimento do mais elevado não-dualismo, é o segredo. de mantra ".
Como foi mencionado no Tantrasadbhāva: "Ó querido, todos os mantras consistem em letras. As letras são uma forma de śakti. Essa śakti deve ser conhecida como mātṛikā. Mātṛikā deve ser conhecida como a própria forma de Śiva."
Bhaskhara: Por conhecimento queremos dizer o desdobramento da própria luz imanente; é a súbita expansão (unmeṣa) da vibração de energia (sāhasa) que ocorre dentro do Princípio Puro (Paramaśiva) penetrando (āveśa) (e se tornando um com) a consciência pura (cinmātratā). Este é o Ser (sattā) do corpo daquele que recita o Mantra e o supremo segredo.

4- गर्भे चित्तविकासोऽविशिष्टविद्यास्वप्नः ॥ ४॥ [garbhe cittavikāso'viśiṣṭavidyāsvapnaḥ] ॥ 4॥
गर्भे [garbhe] ignorância primordial, poderes máyicos (de māyā)* चित्त [citta] mental* विकासः [vikāsaḥ] satisfação, gratificação * अविशिष्ट [aviśiṣṭa] inferior* विद्या [vidyā] conhecimento* स्वप्नः [svapnaḥ] sonho*
A satisfação mental (obtida) através de poderes limitados (máyicos) é apenas um sonho baseado em conhecimento inferior.
        Kṣemarāja: Garbhaḥ significa ignorância primordial, mahāmāyā. Em que, ié. em poderes limitados máyicos. Cittasya vikāsaḥ significa satisfação nos poderes fenomenais limitados. Este é apenas um tipo comum de conhecimento, ou seja, conhecimento inferior, impuro e limitado. Isso é mero sonho, ou seja, confusão cheia de estranhas fantasias baseadas em um senso de diferença. No Pātañjala yogasūtras também, foi dito: "Eles (isto é, os poderes sobrenaturais) são obstáculos ao Samādhi (absorção contemplativa); mas realizações no estado comum de consciência no qual a mente flutua."
        Este ponto também foi descrito no seguinte verso em Spandakarika: "A partir disto (ou seja, unmesa) aparece em pouco tempo Bindu, ié. luz (entre as sobrancelhas); Anahata Nāda, ié. sons internos de vários tipos; rūpa, diferentes tipos de formas, mesmo na escuridão; rasa, sabor agradável no boca, mesmo na ausência de qualquer coisa comestível. Para o yogin cujo senso de identificação com o corpo ainda não desapareceu, essas (experiências super-normais) agem de imediato apenas como obstáculos (em seu progresso do Yoga) (lll, 10).

5- विद्यासमुत्थाने स्वाभाविके खेचरी शिवावस्था ॥ ५॥ [vidyāsamutthāne svābhāvike khecarī śivāvasthā] ॥ 5॥
स्वाभाविके [svābhāvike] [Durante] o espontâneo* विद्या-समुत्थाने [vidyā-samutthāne] surgimento do conhecimento supremo* खेचरी [khecarī] [ocorre um] movimento na vasta extensão ilimitada de consciência* शिवावस्था [śivāvasthā] [que se chama] estado de Śiva*
Durante o espontâneo surgimento do conhecimento supremo, ocorre um movimento na vasta extensão ilimitada de consciência (khecarī) que se chama estado de Shiva.
        Kṣemarāja: Sobre o surgimento do conhecimento supremo do não-dualismo, isto é, sobre o surgimento espontâneo de Vidyā, que ocorre apenas pelo desejo do Senhor Supremo que rejeita todo poder limitado como inútil, Khecarī mudra (movimento na vasta e ilimitada extensão da consciência) se manifesta.
        Que espécie de Khecarī ? [Ele significa literalmente aquilo que se move no céu ou no espaço vazio, Kha ou espaço vazio é um símbolo da consciência. Um dos significados de Khecara é Siva. Khecarī mudra, portanto, significa um mudra pertencente a Śiva ou Śivāvasthā como o sutra acima diz]. É um estado de Śiva que, como possuidor desse estado, é o senhor da consciência. É o prazer do Self que vem de dentro. Este Khecarī não é do tipo usual, que é apenas uma disposição de certas partes do corpo em uma forma particular, como descrito no seguinte aforismo: "Um yogin deve assumir padmāsana, manter-se ereto como um tronco, e tendo fixado sua mente no umbigo, deve levar a mente até khatraya (as três śaktis situadas no espaço da cabeça), mantendo a mente nesse estado, deve movê-la para a frente rapidamente por meio do (previamente exposto acima) khatraya. Com essa postura psico-física o grande yogin adquire o poder supra-normal de se mover (voar) no céu. 
        Assim, Khecarī, conforme definição do Tantrasadbhava, é a forma mais elevada de consciência. De acordo com esta Yoga, é apenas o surgimento da natureza essencial da consciência divina, reduzindo a nada todos os distúrbios causados ​​por māyā que tem a natureza de criar diferença. É só isso que constitui a potência dos mantras e a potência do mudra.
       "Este sūtra diz que a potência do mantra ou do mudra consiste em capacitar o aspirante a adquirir Khecarī, que é a consciência de Siva. Isso só é possível quando se percebe o segredo do mantra que é a Suprema consciência de Śiva, a consciência do Eu que é também a consciência do mundo."

6- गुरुरुपायः ॥ ६॥ [gururupāyaḥ] ॥ 6॥
गुरुः [guruḥ] guru* उपायः [upāyaḥ] meio*
Somente aquele que atingiu a auto-realização é o Guru (Mestre).
        Bhaskara: Aqui 'Mestre' é o poder (da consciência) considerado o supremo meio de realização porque é uma dádiva de Śiva (śāmbhavīśakti)...é o poder da graça, a Deusa Suprema que conduz (o yogin) ao plano (do Ser) que ele busca realizar, uma vez que tenha atingido o poder do Mantra, etc. Através dela, os devotos desfrutam a serenidade no absoluto, o plano além da mente (Paramasiva)... Na busca pela auto-realização, podemos ser levados de um professor para outro. Se nos beneficiarmos de cada encontro e compreendermos as instruções de cada Mestre, não há nada de errado nisso. De fato, isso é o que Kallata e o próprio Abhinava fizeram. Pois como os Tantras declaram: Assim como uma abelha, desejosa de néctar, vai de flor em flor, assim um discípulo, desejoso de conhecimento, vai de professor a professor. Se ele tem um mestre desprovido de poder, como ele pode alcançar conhecimento e liberação? Ó Deusa, como pode uma árvore sem raízes produzir flores ou frutos? O verdadeiro Mestre (Sadguru) só pode ser aquele que alcançou a liberdade completa através da identificação com Śiva. Tal homem é o próprio Śiva em forma humana, assim é nele que o discípulo vê o objetivo de seu esforço...
           No final, o discípulo descobre que o Mestre não é outro senão ele mesmo e que ele, como discípulo, é a consciência reflexiva da consciência inquiridora (prāṭṣṛ saṃvit) da Luz que constantemente responde com revelações cada vez mais profundas de sua própria natureza. Abhinava explica: Nossa própria natureza é da natureza de todas as coisas e conhece a si mesma. É a natureza própria da pessoa (em si mesma), que através da pergunta e da resposta, é contemplada como "egoidade", que dá origem a um sentimento de admiração (assumindo a) forma de questionador e replicador.
        Um único Senhor assume a forma do Mestre e de discípulo. O diálogo entre eles é sempre mantido dentro da consciência. É o diálogo interior que o Eu tem com sua própria natureza, iluminando-se por si mesmo: A liberdade indivisa da consciência brilha no plano das distinções. Dele emana o estado de professor e ensino. É a própria natureza de alguém que é o Senhor e o professor, e (ainda) se pensa que ele é outro (além de si mesmo) - pensa-se que as palavras que o Self de um indivíduo pronuncia são as do outro. Aquilo que deve ser entendido assim como aquilo pelo qual é entendido, tudo é da natureza do Self (embora) acredita-se que sejam diferentes. No mais alto nível de prática, o Mestre infunde essa consciência diretamente no discípulo e ele se eleva em um instante ao reconhecimento de que ele e o Mestre são um só. Nos níveis mais baixos da prática, por outro lado, o sentido da diferença é quase total. Assim, o Mestre e o discípulo, separados uns dos outros pelos constituintes objetivos de seu ser, seu relacionamento assume a forma daquele entre um sábio iluminado (ṛṣi) e outro ser humano comum.

7- मातृकाचक्रसम्बोधः ॥ ७॥ [mātṛkācakrasambodhaḥ] ॥ 7॥
मातृकाचक्र [mātṛkācakra] grupo de letras* सम्बोधः [sambodhaḥ] iluminação*
(Pela graça do guru) vem uma 'luz' sobre o grupo de letras (mātṛkācakra).
Kṣemarāja: Revela o segredo do mātṛikācakra. Na mātṛikā, existem três mundos, o mundo subjetivo, o mundo cognitivo e o mundo objetivo. Estamos situados no mundo objetivo. Estando no mundo objetivo, não estamos conscientes do mundo cognitivo ou do mundo subjetivo. A questão é: como podemos unir o mundo objetivo com o mundo subjetivo? O mundo subjetivo é encontrado em anuttara 'a' e o mundo objetivo é encontrado em anāhata, 'ha'. Como, portanto, esses dois mundos muito diferentes podem ser unidos? Esta questão é respondida por este precioso segredo do mātṛikācakra, que explica como se tornar bem sucedido em unir o objetivo e o mundo subjetivo. (A passagem que se segue é um desdobramento do mātṛikā-cakra, descrevendo as Śaktis que correspondem ás letras do alfabeto sânscrito, segundo o Parātriṁśaka). Mātṛikācakra se relaciona com a teoria do alfabeto sânscrito da letra “a” para a letra “kṣa”. Existem cinquenta letras. As cinquenta letras representam a existência de todo o universo. O universo é composto de trinta e seis tattvas (elementos) e os trinta e seis elementos são representados pelas cinquenta letras. O universo começa a partir do tattva Śiva (o elemento Śiva), e termina com o tattva pṛithvī (o elemento terra).
1. 'a' (अ), é o primeiro raio do ahaṃvimarśa, consciência do Eu; anuttara, (supremo). Ela é jñāna-śakti (Kula-Svarūpā).
2. 'ā' (आ), ānanda rupa, da natureza da bem-aventurança.
3,4. ' i ' (इ), ' ī ' (ई). Ela primeiro ilumina os estados de desejo e regência, icchā e īśāna.
5,6. 'u' (उ), 'ū' (ऊ). Ela então exibe a ascensão, unmēṣa, do conhecimento e seu obscurecimento, ūnatā, devido ao desenvolvimento da cognição objetiva.
7,8. 'ṛ' (ऋ), 'l' (ऌ). Essas letras indicam as duas funções de icchā śakti, ou seja, a auto-iluminação e iluminação do mundo. Por isso, iluminando o mundo com sua própria luz, ela é imortal. Mas como as outras letras-semente, chamadas sandhyaksa (ou seja, e, ai, o, au), não podem ser produzidas simplesmente iluminando o mundo.
9, 'e' (ए). A letra-semente de três ângulos é produzida pela união de anuttara, ānanda e icchā.
10, 'o' (ओ). Produzido pela união de anuttara, ānanda e unmēṣa. Ela abrange a kriya-śakti.
11,12. 'ai' (ऐ), 'au' (औ). A letra-semente de seis ângulos e a letra-semente tridente. Pela união de duas letras-sementes já descritas.
Assim, estas são devidas à união das três śaktis, porque nelas kriya-śakti é predominante, permeada por jñāna-śakti e icchā-śakti.
13. 'ṅ' (ङ). Bindu, indica o conhecimento da unicidade do universo incluindo o mundo físico.
14. 'ḥ' (ः). Visarga, um bindu duplo, indica a manifestação interna e externa simultânea do universo.
Assim, os estados interiores (subjetivos) da consciência, o mundo (interno) flui do anuttara. O universo interno é o das vogais; o exterior, é o das consoantes.
Na criação exterior, ela desenvolve todo o universo, terminando com purusa (26 tattvas) correspondendo às 25 letras de 'ka' a 'ma'; ka-series da śakti de 'a', séries de 'i', e assim por diante de 'u', 'ṛ', 'l'; cada śakti da vogal se torna uma quíntupla e produz as cinco śaktis inferiores das consoantes.
As próximas quatro letras, 'ya', 'ra', 'la', 'va', são chamadas de antastha no Śikṣā (fonética védica), porque estão no puruṣa, dentro do kañchuka, niyati, etc. Estes quatro (viz, niyati, kalā , rāga, vidyā) são chamados dhārana, nos Vedas, porque eles sustentam o universo, permanecendo no puruṣa, o conhecedor.
As quatro seguintes, 'śa', 'ṣa', 'sa', 'ha', são chamadas ūṣma porque se elevam (unmiṣita) quando a diferença é destruída e a identidade é percebida. A Śakti, então, se manifesta na forma dessas letras, das quais a última, 'ha', é a letra da imortalidade...O conhecimento do Mātṛkā-cakra faz com que alguém entre em sua própria natureza, que é uma afluência da bem-aventurança da consciência. As características de 'a' a 'ma' devem ser aprendidas com um Guru competente, que é bhairava, que é divino, e deve ser reverenciado como (Śiva).

8- शरीरं हविः ॥ ८॥ [śarīraṃ haviḥ] ॥ 8॥
शरीरम् [śarīram] corpo* हविः [haviḥ] oblação*
[A integração da consciência do Eu] no corpo torna-se uma oblação [a ser lançada no fogo da suprema consciência].
        Kṣemarāja: "A consciência do Eu nestes três corpos é chamada śarīra. Para um yogin, todos esses três corpos, inclusive a consciência do Eu, tornam-se oferendas (haviḥ) no fogo da suprema consciência. Por essas ofertas, todos esses três estados de consciência se tornam um com a suprema consciência. Quando este grande yogin oferece esses três fluxos de consciência, fazendo com que eles sejam digeridos no fogo da suprema consciência, somente a suprema consciência e nenhuma outra consciência permanece. Este yogin encontra a consciência superior em todo lugar, no corpo grosseiro, no corpo sutil e no corpo mais sutil. Assim, ele retira a consciência desses três corpos e assume a suprema consciência.
        Assim que a consciência (pramātṛi bhāva) é estabelecida no corpo, o experienciador percebe: “Eu sou esse corpo grosseiro no estado de vigília, sou esse corpo sutil no estado de sonho e sou esse corpo mais sutil no estado de sono profundo. Todas as pessoas do mundo assumem (abhiṣikta) a sua consciência do Eu projetando sua percepção do Eu nestes três corpos. Quando a consciência é estabelecida nesses três corpos, eles são chamados os três véus, os três revestimentos. Você deve remover a consciência do Eu desses três estados corporais, grosseiro, sutil e mais sutil, porque quando a consciência é estabelecida nesses corpos, você percebe que 'é' esses corpos..."

9- ज्ञानमन्नम् ॥ ९॥ [jñānamannam] ॥ 9॥
ज्ञानम् [jñānam] conhecimento (empírico) é a causa da escravidão* अन्नम् [annam] alimento a ser 'devorado' [ié. perceber a unidade]*
O conhecimento (empírico) é seu alimento; (ou) o conhecimento (transcendente) de sua própria natureza é seu alimento.
        Kṣemarāja: O conhecimento (empírico) descrito como escravidão (l- 2) é o alimento dos yogins, que é comido, engolido, como já foi discutido em (l- 6)? “Ele então engole tudo isso, morte, tempo, a totalidade dos kalās, todos os fenômenos, todas as cognições, todas as diferenças entre os ātmās.” (Outra interpretação). Ou, o conhecimento (transcendente) que consiste na meditação sobre a própria natureza é seu alimento, sendo a causa da paz do Self porque produz plena satisfação. No Vijnana-bhairava, diz-se: “O que surge dia após dia, quando fixado em um estágio (yukti), é a consciência da plenitude, a felicidade devida a essa plenitude.” “Yukti” é aqui o conhecimento de 112 estágios de meditação. É explicado no Karika (44): “Ele estará em toda parte iluminado”. No caso do homem que nem sempre está em equilíbrio, e embora sábio, orgulha-se de ter alcançado o estágio de equilíbrio.

10- विद्यासंहारे तदुत्थस्वप्नदर्शनम् ॥ १०॥ [vidyāsaṃhāre tadutthasvapnadarśanam] ॥ 10॥
संहरे [saṃhare] na submersão de * विद्या [vidyā] Suddha Vidya (conhecimento puro)* उत्थ [uttha] surgem* स्वप्न [svapna] sonho (construções mentais)* दर्शनम् [darśanam] aparecem* तत् [tat] dela*
Na submersão do Suddha Vidya (conhecimento puro), (há) a eclosão de todos os tipos de construções mentais que surgem dela (isto é, a submersão de Suddha Vidya).
Bhaskara: Interpreta este sutra de forma diferente. De acordo com Ksemaraja, Vidya, aqui, significa suddha vidya, mas de acordo com Bhaskara, vidya, aqui, significa conhecimento empírico, comum às pessoas do mundo. Assim, Bhaskara interpreta o sutra assim: "Quando o conhecimento empírico, comum às pessoas do mundo se dissolve (na realização do seu verdadeiro Self), então o conhecimento ilusório dos objetos do mundo é lembrado apenas como um sonho".
Kṣemarāja: Na destruição, isto é, na submersão do suddha vidya, que é conhecimento puro, todos os vestígios desse conhecimento são gradualmente destruídos e surgem daí visões (svapna), isto é, construções mentais ilusórias cheias de consciência de diferenciação (da dualidade).

Conclusão do capítulo ll "Śāktopāya"
        Assim, a segunda seção que começa com o sūtra: Cittam mantrah, mostra que no Śāktopāya, a ênfase principal está na intensa consciência do poder transformador do mantra, dá uma clara visão do śāktopāya segundo as escrituras agamas no seguinte verso do Malini-vijaya: "Essa comunhão (com Siva), que é obtida apenas pela reflexão mental sobre a realidade que está além do processo de enunciação, é designada nesta tradição como Śākta." (II, 22).
        Além disso, no Sūtra Vidyasamhare tadutthasvapnadarsanam (ll- 10) dirigido ao aspirante que é incapaz de manter a atenção contínua, está sendo anunciado o āṇavopāya (a próxima seção). Que haja prosperidade para todos!

३- आणवोपाय [āṇavopāya] Terceiro Despertar [Método do Praticante]


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