04/01/2023

Sāṃkhya kārikā - Introdução (Revisado)

Sāṃkhya kārikā de Iśvarakṛṣṇa com comentários de Gaudapādā  / Introdução


O Sāṃkhyakārikā é um dos mais antigos textos sobreviventes do Saṃkhya. A data da sua composição é desconhecida, mas sua conclusão foi estabelecida através da tradução chinesa que se tornou disponível em 569 DC. É atribuído a Ishvara Krishna (Séc. lV DC). No texto, o autor descreve-se como sucessor do grande sábio Kapila, através de Āsuri e Pañcaśikha. O Sāṃkhya Kārikā consiste de 72 versos, com o último verso afirmando que o Sāṃkhya Kārikā original tinha apenas 70 versos. O primeiro comentário importante sobre os Kārikā foi escrito por Gaudapādā (Séc. VII DC). Depois vem o Sāṃkhya Tattva Kaumudi de Vācaspati Miśra e, atualmente, o Yuktidipika, cujas edições manuscritas da era medieval foram descobertas e publicadas em meados do século XX, está entre as revisões e comentários mais significativos sobre o Saṃkhya Kārikā.

Autoria e cronologia
O Sāṃkhya é um importante pilar da tradição filosófica indiana, embora sejam disponíveis apenas três das obras originais. São elas: o Sāṃkhya Sutras atribuído ao fundador do Sāṃkhya, Kapila (texto original perdido, mas reconstruído posteriormente); o Tattva Samasa, que alguns autores (Max Muller) consideram anterior ao Sāṃkhya Sutras, e o Sāṃkhya kārikā, de autoria de Iśvarakṛṣṇa. Iśvara kṛṣṇa segue vários mestres anteriores do Sāṃkhya. Ele viveu antes de Vasubandhu sendo situado após Kapila, Āsuri e Pañcaśikha. O Sāṃkhya Kārikā foi provavelmente composto durante a era Gupta, entre 320 e 540 DC.
Gerald Larson mostra, através das análises das ideias do Sāṃkhya desenvolvidas na segunda metade do primeiro milênio AC e no período Gupta (319 a 550 DC), que o Sāṃkhya está enraizado nas especulações dos Brahmanas e dos mais antigos Upanishads do hinduísmo, e que a composição desse sistema ocorreu após os mais antigos Upanishads (cerca de 800 AC). O Sistema Sāṃkhya cresceu com desenvolvimentos posteriores, através do Bhashya sobre o Sāṃkhya Kārikā de Gaudapādā no séc. IX, e do Sāṃkhya Tattva Kaumudi de Vācaspati Miśra.

Objetivo do texto (versos 1 a 3) O Sāṃkhya Kārikā inicia afirmando que a busca da felicidade é uma necessidade básica de todos os seres humanos. No entanto, o Self é afligido por três formas de sofrimento. Por causa dos tormentos do triplo sofrimento, surge a indagação para conhecer os meios de neutralizá-lo. Diz-se que tal investigação é inútil porque existem meios perceptíveis (conhecidos) de remoção do sofrimento; Dizemos não, porque esses meios não são duradouros nem eficazes.

Sāṃkhya Kārikā (Resumo)
Verso 1: As três causas da infelicidade (ou o problema do sofrimento, o mal na vida) são 'ādhyātmika' que é natural e interna; 'ādhibhautika' que é natural e externa e, 'ādhidaivika' não natural ou sobre natural. O sofrimento é de dois tipos, do corpo e da mente. Os meios perceptíveis de tratamento incluem médicos, remédios, magia, encantamentos, conhecimento especializado da ciência moral e política, enquanto a evitação por meio de residência em locais seguros também são meios perceptíveis disponíveis. Esses meios óbvios, afirmam os estudiosos, são considerados pelo Sāṃkhya Kārikā, provisórios porque não fornecem a remoção absoluta ou final do sofrimento.

O verso 2 afirma que as escrituras também são meios visíveis disponíveis, mas também elas são, em última análise, ineficazes no alívio da tristeza e na realização espiritual, porque as escrituras lidam com a impureza, a decadência e a desigualdade. O verso então postula que "existe um método superior diferente de ambos", e este é o caminho do conhecimento e da compreensão. Mais especificamente, a libertação do sofrimento vem do conhecimento discriminativo do Vyakta (mundo em evolução, manifesto), Avyakta (mundo não-manifesto, Prakṛti) e Jña (Conhecedor, Self ou Puruṣa).

O verso 3 acrescenta que a natureza primordial (Prakṛti) é incriada; Os sete, começando com Mahat (intelecto) são criados e criativos, os dezesseis seguintes são criados e evoluem (mas não são criativos), enquanto o Puruṣa não é criado nem criativo nem evolui (simplesmente existe).

Versos 4 a 8 (meios de conhecimento): O verso 4 introduz a epistemologia do Sāṃkhya e afirma que pramana é triplo. Os caminhos confiáveis para o conhecimento correto são: percepção, inferência e o testemunho de pessoa confiável, todos os outros caminhos que levam ao conhecimento são derivados desses três. Em seguida, acrescenta que esses três caminhos podem permitir que o conheçimento dos vinte e cinco Tattvas existentes.

O verso 5 do Sāṃkhya Kārikā define percepção como o conhecimento imediato que se ganha pela interação de um órgão do sentido com qualquer coisa; a inferência, é definida como o conhecimento que se ganha baseado na reflexão sobre a percepção de algo; e testemunho como o conhecimento que se ganha dos esforços daqueles que se considera uma fonte confiável; Em seguida, afirma sucintamente que existem três tipos de inferências para a busca epistêmica do homem, sem explicar quais são esses três tipos de inferência.

O verso 6 afirma que os objetos podem ser conhecidos através dos órgãos sensoriais ou através do super-sentido (derivação interna das observações).

O verso 7 afirma que a percepção por si só não é suficiente para conhecer objetos e princípios por trás da realidade observada, certas coisas existentes não são percebidas e são derivadas.

O texto no verso 8 afirma que a existência da Prakṛti (natureza empírica, substrato material) é comprovada pela percepção, mas seus princípios sutis são não perceptíveis. A mente humana, entre outras, emerge da Prakṛti, afirma o texto, mas não é diretamente perceptível, especificamente inferida e auto-derivada. A realidade da mente e semelhantes diferem e se assemelham à Prakṛti em diferentes aspectos.

Nos versos 9 a 14 (teoria da causalidade e da doutrina dos Guṇas): O Sāṃkhya Kārikā, no verso 9, introduz sua teoria da Satkāryavāda (causalidade), afirmando que "o efeito é preexistente na causa". Aquilo que existe, tem uma causa; aquilo que não existe, não tem uma causa; e quando existe uma causa, é a semente e o anseio pelo efeito; que, uma causa produz aquilo de que é capaz. A teoria Sāṃkhya da causalidade, Satkāryavāda, é também reconhecida como a teoria do efeito existente na causa.

O verso 10 afirma que existem dois tipos de princípios operando no universo: o discreto e o não discreto. O discreto é inconstante, isolado e não permeável, mutável, suportável, fundindo, em conjunto e com um agente. O não discreto é constante, semelhante a um campo, permeável, imutável, não suportável, não emergente, separável e independente de um agente.

No verso 11, tanto o discreto quanto não discreto, são simultaneamente impregnados pelas três qualidades, e essas qualidades (guṇas) são objetivas, comuns, produtivas, não discriminam e são inatas. É nesses aspectos, afirma o Sāṃkhya Kārikā, que eles são o reverso da natureza do Self (Puruṣa) porque o Puruṣa é desprovido dessas qualidades.

O texto no verso 12 afirma que os três guṇas, isto é sattva, tamas e rajas, respectivamente correspondem ao prazer, dor e ao embotamento, mutuamente dominantes, produzem um ao outro, descansam um no outro, sempre reciprocamente presentes e trabalhando juntos. Essa teoria das qualidades do Sāṃkhya tem sido amplamente adotada por várias escolas do hinduísmo para categorizar o comportamento e os fenômenos naturais.

Os versos (13-14) afirmam que sattva é bom, esclarecedor e iluminador, rajas é movimento iminente e inquieto, enquanto tamas é escuridão, obscurecedor e angustiante; estes trabalham juntos como uma lâmpada composta de óleo, fogo e pavio, que são opostos um ao outro, trabalham juntos para iluminar objetos, assim sattva, rajas e tamas, embora opostos um ao outro, produzem um efeito.

Versos 15 a 16 (Natureza da Prakṛti): O Sāṃkhya define Prakṛti como "a natureza que evolui", e a considera a causa material do mundo empiricamente observado. Prakṛti, num contexto, tanto físico quanto psíquico, é aquilo que se manifesta como a matriz de todas as modificações. Prakṛti não é matéria primária, nem um universal metafísico, mas é a base de toda existência objetiva, matéria, vida e mente. Prakṛti tem duas dimensões, Vyakta (manifesta), e Avyakta (não manifestada). Ambas têm os três guṇas que estão em equilíbrio instável em Prakṛti Primordial; mas a presença do Puruṣa desfaz o equilíbrio original iniciando o processo evolutivo. Quando os guṇas estão em equilíbrio, nenhuma modificação ocorre; quando uma das três forças inatas torna-se mais ativa, o processo de evolução entra em ação: surge a mudança (guṇaparinama). Estes dois versos são significativos, afirma Larson, apresenta em aforismos as doutrinas da causalidade do Sāṃkhya, a relação entre vyakta e avyakta, e a doutrina do processo evolutivo.

Versos 17 a 19 (Natureza do Puruṣa): O Sāṃkhya afirma, declara Larson, que, além da criação emergente e da Prakṛti, do equilíbrio e da evolução, existe o Puruṣa (Self). O Puruṣa é a Consciência Pura, inativo, mas cuja presença perturba o equilíbrio dos três guṇas em sua condição não manifesta. Essa perturbação desencadeia o surgimento da condição manifestada da realidade empírica que experimentamos, afirma o texto.
Mais especificamente, o verso 17 oferece uma prova de que o Self existe, como segue: O Puruṣa deve existir porque: (1) Saṁghāta Parārthatvāt: O conjunto de objetos sensíveis deve servir para um propósito útil; (2) Triguṇādiviparyayād: não sofre a ação dos três guṇas; (3) Adhiṣṭhānāt: deve existir um gestor inteligente; (4) Bhoktṛbhāvāt: deve haver alguém para o desfrute, e (5) Kaivalyārtham Pravṛtteśca: há um desejo de liberação absoluta da miséria.

O verso 18 do Sāṃkhyakārikā afirma que muitos Puruṣas devem existir porque numerosos seres vivos nascem, morrem e existem; porque os guṇas estão operando e afetam a todos de maneira diferente; e porque todos são dotados de instrumentos de cognição e ação. O verso 19 afirma que o Puruṣa é a "testemunha consciente, separada, neutra, vidente e inativa".

Versos 20 a 21 (A conexão entre Prakṛti e Puruṣa). Um ser vivo é uma união de Prakṛti e Puruṣa, postula o Sāṃkhyakārikā nos versos 20-21. A Prakṛti como a inconsciente evolui, junta-se ao Puruṣa que é a consciência senciente.
O Sāṃkhya afirma que o propósito dessa união da Prakṛti e do Puruṣa, criando a realidade do universo observado, é realizar uma simbiose dupla. Uma delas, capacita o indivíduo a desfrutar e contemplar a Prakṛti e o Puruṣa através da autoconsciência; e segundo, a conjunção de Prakṛti e Puruṣa determina o caminho do Kaivalya e Moksha (libertação, liberdade).

O verso 21 menciona a metáfora do "cego e do aleijado", segundo a lenda indiana, um cego e um coxo perdidos na floresta, que se encontram, inspiram confiança mútua e, concordam em compartilhar os deveres, cego faz o andar e o coxo permite a visão, o coxo monta no soldado cego e, assim, viajam pela floresta em busca de uma saída. O Self (Puruṣa), nesta alegoria, é, similarmente, simbioticamente unido ao corpo e à natureza (Prakṛti) na jornada da vida. O Puruṣa deseja liberdade, significado e libertação, e isso pode ser alcançado através da contemplação e abstração.

Esses versos apresentam uma forma peculiar de dualismo, afirma Gerald Larson, porque eles afirmam "coisas" primitivas inconscientes por um lado, e consciência pura por outro. Isso contrasta com o dualismo apresentado em outras escolas de filosofia hindu, onde o dualismo se concentra na natureza da alma individual e de Brahman (absoluto universal).

Versos 22 a 38 (A teoria da emergência dos tattvas). Esses versos, afirma Larson, fornecem uma discussão detalhada da teoria da emergência, ié. o que emerge, como funcionam os diferentes emergentes. A discussão inclui o surgimento de buddhi (intelecto), ahaṃkāra (ego), manas (mente), os cinco buddhindriyas (órgãos sensoriais), os cinco karmendriyas (órgãos de ação), os cinco tanmātras (elementos sutis), os cinco mahabhūtas (elementos grosseiros) em seguida o texto descreve a teoria do conhecimento.

O verso 22 do Sāṃkhya Kārikā afirma que mahat (buddhi) - o grande princípio, intelecto é o primeiro produto da natureza (prakṛti), dele emerge o ego (ahaṃkāra) e o 'conjunto dos dezesseis" (discutido em versos posteriores).

Os Versos 23-25 descrevem sattva, como a força que busca a bondade, a sabedoria, a virtude, o desapego. O reverso de sattva é tamas. Sattva é a característica do intelecto. O Sāṃkhya lista os órgãos sensoriais como sendo os olhos, ouvidos, nariz, língua e pele, enquanto como órgãos de ação o aparelho fonador, mãos, pés, órgãos excretores e de procriação. A Mente, afirma o texto, é tanto um órgão sensorial em alguns aspectos, e um órgão de ação em outros aspectos. A mente pondera, é cognitiva, integra informação e depois interage com os órgãos de ação, é também modificada pelas três qualidades inatas e diversas manifestações dela. O Ego (ahaṃkāra), afirma o texto, é auto-identidade. Os órgãos sensoriais e os órgãos de ação influenciados por sattva criam a forma vaikṛta de ahaṃkāra, enquanto a influência de tamas cria o bhūtādi ahaṃkāra ou os tanmātras.

Os versos 29-30 do texto afirmam que todos os órgãos dependem do prāṇa (energia vital), e que é o prāṇa que os conecta ao invisível, o Puruṣa. As três faculdades emergentes internas, afirma o Sāṃkhya no verso 29, são mente, ego e a capacidade de raciocinar. Os órgãos sensoriais e de ação desempenham suas respectivas funções, cooperando uns com os outros, alimentados pela força vital, enquanto o Self é o observador independente.

O verso 31 do texto afirma: os órgãos manifestam o objeto e o propósito do Self, não o propósito de qualquer outra coisa.

Os veros 32 a 35 do Sāṃkhyakārikā apresentam a teoria de como os órgãos sensoriais operam e cooperam para obter informações, como os órgãos de ação apreendem e se manifestam impulsionados pela mente, ego e os três guṇas.
Os versos 36 e 37 afirmam que todos os órgãos sensoriais cooperam para apresentar informações à mente, e é a mente que apresenta conhecimentos e sentimentos ao Self (Puruṣa).

Versos 39 a 59 (A teoria da realidade). O Sāṃkhyakārikā nesses versos, afirma Larson, discute a teoria da realidade e como é experimentada. O texto inclui a discussão de impulsos e bhavas (disposições, desejos) que produzem a experiência humana e determinam a realidade subjetiva. O Sāṃkhya afirma que há dupla emergência da realidade, uma que é objetiva, elementar e externa; outra que é subjetiva, formulada na mente e interna. Interage com a sua teoria epistêmica do conhecimento, que é a percepção, a inferência e o testemunho de pessoa confiável, apresentando sua teoria do erro, teoria da complacência, teoria da virtude e condições necessárias para aquisição da felicidade e liberação do sofrimento.

Versos 60 a 69 (A teoria da compreensão e liberdade). O Sāṃkhyakārikā, no verso 63, afirma que a Prakṛti liga-se às sete formas (fraqueza, vício, ignorância, poder, paixão, desapego e virtude). Essa mesma natureza, uma vez consciente do objeto Puruṣa, é liberta pelo meio: conhecimento discriminativo.

O verso 64 do texto afirma que este conhecimento é obtido a partir do estudo dos tattvas, que há uma diferença entre a inerte Prakṛti e o consciente Puruṣa, a Prakṛti não é consciência, e a consciência não é escravizada pela Prakṛti. Essa consciência é "completa, livre de erros, pura e kevala (solitária)". A personalidade mais profunda do homem nos versos do Sāṃkhyakārikā, afirma Larson, não é seu ego empírico ou seu intelecto, mas sim sua Consciência, e "o conhecimento da absoluta unicidade da consciência que liberta da ilusão da escravidão e traz a mais profunda perspectiva de liberdade para o homem (kaivalya)".

Versos 70 a 72 (Transmissão da tradição Samkhya).


Fontes / Links

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