11/11/2018

Sāṃkhya kārikā (55 -72) - Revisto no verão de 2023

Sāṁkhya kārikā de Iśvarakṛṣṇa com comentários de Gaudapādā [ 55 - 72]

55- तत्र जरामरणकृतं दुःखं प्राप्नोति चेतनः पुरुषः । लिङ्गस्याविनिवृत्तेस्तस्माद् दुःखं स्वभावेन ॥ ५५॥
tatra jarāmaraṇakṛtaṃ duḥkhaṃ prāpnoti cetanaḥ puruṣaḥ । liṅgasyāvinivṛttestasmād duḥkhaṃ svabhāvena ॥ 55॥
तत्र पुरुष चेतन प्राप्नोति [tatra puruṣa cetana prāpnoti] lá (nos três mundos) o puruṣa consciente experimenta* दुःख कृत जरामरण [duḥkha kṛta jarāmaraṇa] a dor devido à velhice e morte* अविनिवृत्ति लिङ्गस्य [avinivṛtti liṅgasya] até a cessação do linga* तस्मात् दुःख स्वभाव [tasmāt duḥkha svabhāva] daí o sofrimento é inerente à vida*
55- Então, o Puruṣa consciente experimenta a dor devido à velhice e morte até a cessação do linga; daí o sofrimento é inerente à vida.

Gauḍapāda: Nos estágios da vida, humana, subumana e divina, a miséria do corpo produzida pela velhice e pela morte é experimentada pelo Puruṣa consciente e não pela Prakṛti, ou pelo intelecto, ou ahaṃkara, ou elementos sutis, ou órgãos, ou elementos grosseiros.
O Puruṣa sofre até a cessação do linga (corpo sutil). Até que mahat e o resto, que se manifestam após, cessarem. A cessação do linga significa que o corpo sutil deixa de existir. Após a cessação do corpo sutil, há liberação; e após a obtenção da liberdade, não há miséria.
Como o corpo sutil é removido? É removido pela obtenção do conhecimento dos vinte e quatro princípios produzidos pela Prakṛti como distintos do Puruṣa. Por tal conhecimento, percebemos que: isto é a Prakṛti, isto é o intelecto, isto é ahaṃkara, e estes são os cinco elementos densos diferentes e distintos do Puruṣa. Então o corpo sutil deixa de existir e então a liberação é alcançada.

56- इत्येष प्रकृतिकृतो महदादिविशेषभूतपर्यन्तः । प्रतिपुरुषविमोक्षार्थं स्वार्थैव परार्थारम्भः ॥ ५६॥
ityeṣa prakṛtikṛto mahadādiviśeṣabhūtaparyantaḥ । pratipuruṣavimokṣārthaṃ svārthaiva parārthārambhaḥ ॥ 56॥
इत्येष प्रकृति कृत [ityeṣa prakṛti kṛta] assim a atividade da prakṛti* महत् आदि पर्यन्त विशेष भूत [mahat ādi paryanta viśeṣa bhūta] começando do mahat até os elementos densos* विमोक्ष अर्थ प्रति पुरुष [vimokṣa artha prati puruṣa] é para a liberação de cada puruṣa* स्वार्थ इव परार्थ आरम्भ [svārtha iva parārtha ārambha] embora seja para benefício de outrem parece que é para si mesma*
56- Assim, a atividade da Prakṛti, começando do mahat até os elementos densos, é para a liberação de cada Puruṣa; embora seja para benefício de outrem, parece que é para si mesma.

Gauḍapāda: A expressão Ityeṣaḥ (iti eṣa) significa terminar e apontar. Prakrtikrta é a instrumentalidade ou a atividade da Prakṛti. Este esforço que começa de mahat até os elementos densos é para a libertação de cada Puruṣa, que assume forma divina, sub-humana ou humana.
Embora esse esforço seja para benefício do Puruṣa, ainda assim parece que foi para Prakṛti. A Prakṛti se comporta como um homem que abandona seu próprio negócio e realiza o de seu amigo. O Puruṣa não faz nada em retribuição à Prakṛti. O benefício da atividade da Prakṛti é a aquisição dos objetos dos sentidos como o som e o resto, e a compreensão da distinção entre Buddhi e Puruṣa.
Pode-se argumentar que se a Prakṛti não é inteligente e o Puruṣa é inteligente, então como a Prakṛti pode agir como um princípio inteligente, pensando: “Eu deveria suprir o Puruṣa com os objetos dos sentidos como o som e o resto em todos os três mundos para que Puruṣa atinja a liberação final?” A resposta é que porque a atividade e a cessação da atividade podem ser observadas no caso de coisas não-inteligentes, assim Prakṛti age.

57- वत्सविवृद्धिनिमित्तं क्षीरस्य यथा प्रवृत्तिरज्ञस्य । पुरुषविमोक्षनिमित्तं तथा प्रवृत्तिः प्रधानस्य ॥ ५७॥
vatsavivṛddhinimittaṃ kṣīrasya yathā pravṛttirajñasya । puruṣavimokṣanimittaṃ tathā pravṛttiḥ pradhānasya ॥ 57॥
यथा अज्ञ क्षीर प्रवृत्ति [yathā ajña kṣīra pravṛtti] como o leite não inteligente funciona* निमित्त विवृद्धि वत्स [nimitta vivṛddhi vatsa] para a nutrição do bezerro* तथा प्रधान प्रवृत्ति [tathā pradhāna pravṛtti] a prakṛti também funciona* निमित्त विमोक्ष पुरुष [nimitta vimokṣa puruṣa] para a liberação do puruṣa*
57- Como o leite não inteligente funciona para a nutrição do bezerro, a Prakṛti também funciona para a liberação do Puruṣa.

Gauḍapāda: Assim como a grama e semelhantes são consumidos por uma vaca e modificados como leite que nutre o bezerro, e cessa, quando ele se tornar (suficientemente) forte, assim Prakṛti também funciona para a liberação do Puruṣa. Assim, há atividade na Prakṛti não inteligente.

58- औत्सुक्यनिवृत्त्यर्थं यथा क्रियासु प्रवर्तते लोकः । पुरुषस्य विमोक्षार्थं प्रवर्तते तद्वदव्यक्तम् ॥ ५८॥
autsukyanivṛttyarthaṃ yathā kriyāsu pravartate lokaḥ । puruṣasya vimokṣārthaṃ pravartate tadvadavyaktam ॥ 58॥
यथा लोक प्रवर्तते क्रिय [yathā loka pravartate kriya] assim como as pessoas se envolvem em ações* निवृत्ति अर्थ औत्सुक्य [nivṛtti artha autsukya] para satisfazer seus desejos* तद्वत् प्रवर्तते अव्यक्त [tadvat pravartate avyakta] também o não-manifesto age* विमोक्ष अर्थ पुरुष [vimokṣa artha puruṣa] para liberar o puruṣa*
58- Assim como as pessoas se envolvem em ações para satisfazer seus desejos, também o não-manifesto age para liberar o Puruṣa.

Gauḍapāda: Como as pessoas com desejo se envolvem em ações para realizar seu anseio, e também após a realização, esforçam-se para cessar essa atividade, a Prakṛti deixa de funcionar depois de ter servido ao propósito do Puruṣa, que é duplo. Um dos propósitos é o desfruto dos objetos dos sentidos como o som e o resto; e o outro é a obtenção do conhecimento da distinção entre Prakṛti e Puruṣa.

59- रङ्गस्य दर्शयित्वा निवर्तते नर्तकी यथा नृत्यात् । पुरुषस्य तथात्मानं प्रकाश्य विनिवर्तते प्रकृतिः ॥ ५९॥
raṅgasya darśayitvā nivartate nartakī yathā nṛtyāt । puruṣasya tathātmānaṃ prakāśya vinivartate prakṛtiḥ ॥ 59॥
यथा नर्तकी [yathā nartakī] como uma dançarina* नृत्य निवर्तते [nṛtya nivartate] encerra a dança* रङ्ग दर्शयित्वा [raṅga darśayitvā] depois de se mostrar para a platéia* तथा प्रकृति विनिवर्तते [tathā prakṛti vinivartate] também a prakṛti desiste de atuar* प्रकाश्य आत्मानम् पुरुष [prakāśya ātmānam puruṣa] depois de se mostrar ao Puruṣa*
59- Como uma dançarina encerra a dança depois de se mostrar para a platéia, também, a Prakṛti desiste de atuar depois de se mostrar ao Puruṣa.

Gauḍapāda: Como uma dançarina, tendo exibido para o público os episódios que são musicados em forma de canções, e que estão cheios de sentimentos de amor e afins, por meio de seus movimentos graciosos, desiste de dançar depois de cumprir seu dever, assim também a Prakṛti, tendo-se exibido ao Puruṣa nos diferentes tattvas, intelecto, ahaṃkara, elementos sutis e elementos densos, também, deixa de atuar.

60- नानाविधैरुपायैरुपकारिण्यनुपकारिणः पुंसः । गुणवत्यगुणस्य सतस्तस्यार्थमपार्थकं चरति ॥ ६०॥
nānāvidhairupāyairupakāriṇyanupakāriṇaḥ puṃsaḥ । guṇavatyaguṇasya satastasyārthamapārthakaṃ carati ॥ 60॥
उपकारिन् गुणवत् [upakārin guṇavat] a benevolente prakṛti dotada dos guṇas* अपार्थक चरति ननविध उपाय [apārthaka carati nanavidha upāya] sem qualquer benefício para si mesma concede por múltiplos meios* सतस् तस्य अर्थ पुंस् [satas tasya artha puṃs] benefícios para o puruṣa* अगुण अनुपकारिन् [aguṇa anupakārin] que é desprovido dos guṇas e não requer nenhum benefício em troca*
60- A benevolente Prakṛti, dotada dos guṇas, sem qualquer benefício para si mesma, concede por múltiplos meios benefícios para o Puruṣa que é desprovido dos guṇas, e não requer nenhum benefício em troca.

Gauḍapāda: Transformando-se em formas divinas, subumanas e humanas; transformando-se em prazer, dor e ilusão; e transformando-se nos objetos dos sentidos em forma de som e o resto, a Prakṛti beneficia o Puruṣa. Deste modo, tendo-se exibido ao Puruṣa, a Prakṛti encerra sua atuação. Assim, beneficia o Puruṣa eterno sem qualquer benefício para si mesma. Assim como uma pessoa generosa dá a todos e não deseja nada de bom em troca, a Prakṛti, também, realiza o propósito do Puruṣa sem nada em troca.

61- प्रकृतेः सुकुमारतरं न किञ्चिदस्तीति मे मतिर्भवति । या दृष्टास्मीति पुनर्न दर्शनमुपैति पुरुषस्य ॥ ६१॥
prakṛteḥ sukumārataraṃ na kiñcidastīti me matirbhavati । yā dṛṣṭāsmīti punarna darśanamupaiti puruṣasya ॥ 61॥
इति मे मति भवति [iti me mati bhavati] na minha opinião* न अस्ति किञ्चित् सुकुमारतर प्रकृति [na asti kiñcit sukumāratara prakṛti] nada é mais despretensioso do que prakṛti* या दृष्टा अस्मि इति [yā dṛṣṭā asmi iti] pecebendo que 'eu fui vista'* पुनर् न उपैति दर्शन पुरुष [punar na upaiti darśana puruṣa] nunca mais se expõe à visão do puruṣa*
61- Na minha opinião, nada é mais despretensioso do que Prakṛti: percebendo que 'eu fui vista', nunca mais se expõe à visão do Puruṣa.

Gauḍapāda: Neste mundo nada é mais despretensioso que Prakṛti. Por quê? Porque uma vez que é vista pelo Puruṣa, a Prakṛti nunca mais se expõe à visão do Puruṣa. Em vez disso, torna-se invisível para o Puruṣa. A pergunta então vem: "Por que a vida se manifestaria?"
Alguns defendem que Īsvara seja a causa; outros defendem a espontaneidade como a causa. O Samkhya questiona como os seres dotados dos guṇas podem ser criados por Deus que é imputável, ou até mesmo pelo Puruṣa sem guṇas. Portanto, a causalidade da Prakṛti é adequada. Assim como a partir de fios brancos, apenas tecido branco é produzido e de fios pretos, apenas tecidos pretos, infere-se que os três mundos dotados dos três guṇas procedem da Prakṛti dotada de três guṇas. Īsvara não tem atributos. Portanto, é ilógico pensar que Deus produz este mundo dotado dos três guṇas. Isso explica também a impossibilidade de o Puruṣa ser considerado a causa.
Alguns consideram o tempo como a causa. Responde o Sāmkhya, existem apenas três categorias: o manifesto, o não-manifesto e o Conhecedor. O tempo também está incluído em um deles. O tempo é manifesto. E como a Prakṛti é a produtora de tudo, também deve ser a causa do tempo. A espontaneidade também está incluída lá. Portanto, nem a espontaneidade nem o tempo são a causa; e só a Prakṛti é a causa e não há outra causa da Prakṛti.
Portanto, na minha opinião, não há outra causa como Īsvara e o resto. E se for dito que o Puruṣa é liberado ou o Puruṣa migra, a isto o autor responde:

62- तस्मान् न बध्यतेऽद्धा न मुच्यते नापि संसरति कश्चित् । संसरति बध्यते मुच्यते च नानाश्रया प्रकृतिः ॥ ६२॥
tasmān na badhyate'ddhā na mucyate nāpi saṃsarati kaścit । saṃsarati badhyate mucyate ca nānāśrayā prakṛtiḥ ॥ 62॥
तस्मात् न बध्यते [tasmāt na badhyate] portanto nenhum Puruṣa está encadeado* अद्धा न मुच्यते [addhā na mucyate] ou liberado* न अपि संसर कश्चित् [na api saṃsara kaścit] nem transmigra* नानाश्रया प्रकृति [nānāśrayā prakṛti] é a Prakṛti que assume múltiplas formas* संसर बध्यते मुच्यते च [saṃsara badhyate mucyate ca] que transmigra ou é acorrentada ou libertada*
62- Portanto, nenhum Puruṣa está encadeado ou liberado, nem transmigra. É a Prakṛti, que assume múltiplas formas, que transmigra ou é acorrentada ou libertada.

Gauḍapāda: Por essa razão, o Puruṣa não é encadeado ou liberado, nem transmigra. Somente a Prakṛti que assume múltiplas formas, é encarcerada ou liberada ou transmigra nas formas do intelecto, ahaṃkara, dos elementos sutis, dos órgãos e elementos densos.
Se o Puruṣa é espontaneamente liberado e é todo-penetrante, então por que ele migra? A migração é para o propósito de adquirir aquilo que não é previamente alcançado. As frases “Puruṣa está ligado”, “Puruṣa é liberado” ou “Puruṣa migra” são usadas porque a transmigração não é bem entendida. Ao discriminar entre Puruṣa e Prakṛti, o caráter real do Puruṣa é manifestado.
Se o Puruṣa não está encadeado, então nunca é liberado. Só a Prakṛti se liga ou se libera. Quando o corpo sutil dota um corpo denso com os elementos sutis e os órgãos internos tríplices, esse corpo é limitado pela escravidão tripla. Como já foi dito, “Aquele que está preso pelas amarras naturais e pessoais não é liberado por qualquer outra coisa que não seja o conhecimento”. E, esse corpo sutil é dotado de virtude e vício.

63- रूपैः सप्तभिरेव तु बध्नात्यात्मानमात्मना प्रकृतिः । सैव च पुरुषार्थं प्रति विमोचयत्येकरूपेण ॥ ६३॥
rūpaiḥ saptabhireva tu badhnātyātmānamātmanā prakṛtiḥ । saiva ca puruṣārthaṃ prati vimocayatyekarūpeṇa ॥ 63॥
प्रकृति बध्नाति तु एव आत्मान् सप्त रूप [prakṛti badhnāti tu eva ātmān sapta rūpa] a prakṛti liga-se pelas sete formas* च आत्मना सैव विमोचयति एक रूपेण [ca ātmanā saiva vimocayati eka rūpeṇa] e ela mesma se libera através de uma forma* पुरुष अर्थ प्रति [puruṣa artha prati] para o benefício do puruṣa*
63- A Prakṛti liga-se pelas sete formas e ela mesma se libera através de uma forma, para o benefício do Puruṣa.

Gauḍapāda: A Prakṛti se liga através de sete formas: virtude, não-apego, poder, vício, ignorância, apego e ausência de poder. Através destas a Prakṛti liga-se por si só. A mesma Prakṛti, atuando com o propósito do Puruṣa, se liberta através de uma forma - conhecimento

64- एवं तत्त्वाभ्यासान् नास्मि न मे नाहमित्यपरिशेषम् । अविपर्ययाद् विशुद्धं केवलमुत्पद्यते ज्ञानम् ॥ ६४॥
evaṃ tattvābhyāsān nāsmi na me nāhamityapariśeṣam । aviparyayād viśuddhaṃ kevalamutpadyate jñānam ॥ 64॥
तत्त्व अभ्यास एवम् [tattva abhyāsa evam] praticando os princípios assim* ज्ञान उत्पद्यते [jñāna utpadyate] surge o conhecimento (Jñāna)* न अस्मि [na asmi] não existo* न मे [na me] nada é meu* न अहम् [na aham] não sou* इति अपरिशेष अविपर्ययात् विशुद्ध केवल [iti apariśeṣa aviparyayāt viśuddha kevala] que é completo inequívoco puro e absoluto*
64- Praticando os princípios assim, surge o conhecimento (jñāna): "não existo, nada é meu, não sou", que é completo, inequivoco, puro e absoluto.

Gauḍapāda: Do modo descrito acima, praticamos a meditação sobre os vinte e cinco princípios - “Isto é Prakṛti, isto é Puruṣa, estes são os cinco elementos sutis, os órgãos e os elementos densos”. Através da prática, surge este conhecimento no Puruṣa — “Eu não existo, nada é meu, eu não sou” Este corpo não é meu, pois eu sou uma coisa e o corpo outro. Eu estou acima do ego; é o conhecimento completo.
Não resta dúvida que este conhecimento é puro e absoluto. Somente este conhecimento puro é a causa da salvação e não outro. Resulta do conhecimento dos vinte e cinco princípios.

65- तेन निवृत्तप्रसवामर्थवशात् सप्तरूपविनिवृत्ताम् । प्रकृतिं पश्यति पुरुषः प्रेक्षकवदवस्थितः सुस्थः ॥ ६५॥
tena nivṛttaprasavāmarthavaśāt saptarūpavinivṛttām । prakṛtiṃ paśyati puruṣaḥ prekṣakavadavasthitaḥ susthaḥ ॥ 65॥
तेन [tena] por este conhecimento (tattvas)* पुरुष सुस्थ प्रेक्षकवत् पश्यति प्रकृति [puruṣa sustha prekṣakavat paśyati prakṛti] o puruṣa contido percebe como um espectador a prakṛti* निवृत्ति प्रशवा [nivṛtti praśavā] que deixou de ser produtiva* विनिवृत्त सप्त रूप अवस्थित अर्थवश [vinivṛtta sapta rūpa avasthita arthavaśa] e retorna das sete formas pois cumpriu os propósitos (do puruṣa)*
65- Por este conhecimento (tattvas), o Puruṣa contido percebe como um espectador a Prakṛti, que deixou de ser produtiva e retorna das sete formas pois cumpriu os propósitos do Puruṣa.

Gauḍapāda: Com o conhecimento puro e absoluto, o Puruṣa percebe a Prakṛti como um espectador sentado e contido. Como um espectador quieto de uma peça percebe uma atriz de seu próprio assento confortável.
Nesse ponto, a Prakṛti deixa de ser produtiva. Deixa de produzir os efeitos na forma de intelecto, ahaṃkara e o resto. Consequentemente, ela se reverte das sete formas porque cumpriu ambos os propósitos do Puruṣa, que são a experiência e a liberação. As sete formas de virtude e o resto, com as quais a Prakṛti se liga, são revertidas.

66- दृष्टा मयेत्युपेक्षकैको दृष्टाहमित्युपरतान्या । सति संयोगेऽपि तयोः प्रयोजनं नास्ति सर्गस्य ॥ ६६॥
dṛṣṭā mayetyupekṣakaiko dṛṣṭāhamityuparatānyā । sati saṃyoge'pi tayoḥ prayojanaṃ nāsti sargasya ॥ 66॥
एक दृष्टा अहम् इति [eka dṛṣṭā aham iti] um puruṣa diz "eu a vi" (entendo o que ela é)* इति उपेक्षक [iti upekṣaka] e assim torna-se indiferente* दृष्टा मया उपरत अन्या [dṛṣṭā mayā uparata anyā] (a prakṛti) alega como eu fui vista desisto (de mais motivações)* अपि सति संयोग तयोस् [api sati saṃyoga tayos] mesmo havendo conexão entre ambos* प्रयोजनं न अस्ति सर्गस्य [prayojanaṃ na asti sargasya] não há necessidade de criação adicional*
66- Um Puruṣa diz: "Eu a vi", e assim torna-se indiferente; a Prakṛti alega como "eu fui vista", desisto (de mais motivações); mesmo havendo conexão entre ambos, não há necessidade de criação adicional.

Gauḍapāda: Como um espectador em uma peça, o Puruṣa absoluto e puro é indiferente. A Prakṛti, não mais necessária para o Puruṣa, desiste. Embora o Puruṣa e a Prakṛti desistam assim, por causa da onipresença deles, há contato entre os dois, mas não há criação resultante do contato. Quando a criação serviu a ambos os propósitos, não há motivo para ela criar ainda mais. Como o contato entre um devedor e um credor é para o serviço de um empréstimo, após o pagamento da dívida, apesar do contato entre eles, não há transação monetária. Da mesma forma, o Puruṣa e a Prakṛti também não têm mais propósito para transação.
Alguém pode perguntar, se depois da conquista do conhecimento e de alcançar a salvação, por que minha vida continua?

67- सम्यग्ज्ञानाधिगमाद् धर्मादीनामकारणप्राप्तौ । तिष्ठति संस्कारवशाच्चक्रभ्रमवद् धृतशरीरः ॥ ६७॥
samyagjñānādhigamād dharmādīnāmakāraṇaprāptau । tiṣṭhati saṃskāravaśāccakrabhramavad dhṛtaśarīraḥ ॥ 67॥
सम्य ज्ञान अधिगम [samya jñāna adhigama] embora pela obtenção (do conhecimento dos tattvas)* धर्मादी [dharmādī] a virtude e o resto* अकारण प्राप्ति [akāraṇa prāpti] deixem de ser produtores* तिष्ठति [tiṣṭhati] ainda assim por causa das impressões passadas* धृतशरीर [dhṛtaśarīra] (o puruṣa permanece) investido de um corpo* चक्रभ्रमिवत् संस्कार वश [cakrabhramivat saṃskāra vaśa] como uma roda de oleiro, que continua girando (por inércia)*
67- Embora pela obtenção do conhecimento, a virtude e o resto deixem de ser produtores, ainda assim, por causa das impressões passadas, o Puruṣa permanece investido de um corpo como uma roda de oleiro, que continua girando (por inércia).

Gauḍapāda: Embora o perfeito conhecimento dos vinte e cinco princípios seja alcançado, ainda assim, por causa das impressões passadas, um yogin permanece dotado de um corpo. Como um oleiro põe em movimento sua roda para fazer um pote de barro, e, depois de fazer o pote abandona a roda, mas a roda continua girando por causa do impulso passado.
Assim, pela obtenção do conhecimento perfeito, a virtude e o resto deixam de ser produtores. Essas sete formas de escravidão são queimadas ou destruídas pelo conhecimento perfeito. Como as sementes queimadas pelo fogo não podem germinar, então essas formas de escravidão, virtude e o resto são incapazes de produzir servidão. Quando a virtude e o resto deixam de ser produtores, por causa das impressões passadas, o Puruṣa, ainda, permanece dotado de um corpo.
Virtude e vício existem, mas em um momento eles podem ser destruídos pelo conhecimento. O conhecimento destrói os efeitos de todas as ações futuras, bem como os efeitos dessas ações prescritas pelas Escrituras. Após o esgotamento das impressões anteriores, o corpo perece e a salvação resulta. De que natureza é essa salvação?

68- प्राप्ते शरीरभेदे चरितार्थत्वात् प्रधानविनिवृत्तौ । ऐकान्तिकमात्यन्तिकमुभयं कैवल्यमाप्नोति ॥ ६८॥
prāpte śarīrabhede caritārthatvāt pradhānavinivṛttau । aikāntikamātyantikamubhayaṃ kaivalyamāpnoti ॥ 68॥
प्राप्ते शरीरभेद [prāpte śarīrabheda] quando a separação do corpo for alcançada* चरित अर्थत्व [carita arthatva] ela consecusão do propósito* प्रधान विनिवृत्ति [pradhāna vinivṛtti] e após a cessação da prakṛti* प्राप्नोति कैवल्य [prāpnoti kaivalya] o puruṣa alcança Kaivalya* उभय ऐकाङ्तिक आत्यङ्तिक [ubhaya aikāṅtika ātyaṅtika] que é aboluto e definitivo*
68- Após obter a separação do corpo, pela consecusão do propósito e após a cessação da Prakṛti, o Puruṣa alcança Kaivalya que é aboluto e definitivo.

Gauḍapāda: Pela destruição de todos os impulsos gerados pela virtude e pelo resto, depois de obter a separação do corpo, e após a cessação da Prakṛti, o Puruṣa alcança o isolamento. Então, Kaivalya certo, absoluto e definitivo é alcançado. Há libertação devido ao isolamento e, é alcançado o definitivo Kaivalya.

69- पुरुषार्थज्ञानमिदं गुह्यं परमर्षिणा समाख्यातम् । स्थित्युत्पत्तिप्रलयाश्चिन्त्यन्ते यत्र भूतानाम् ॥ ६९॥
puruṣārthajñānamidaṃ guhyaṃ paramarṣiṇā samākhyātam । sthityutpattipralayāścintyante yatra bhūtānām ॥ 69॥
इदं गुह्य ज्ञान [idaṃ guhya jñāna] este insólito conhecimento* अर्थ पुरुष [artha puruṣa] dos objetivos do puruṣa* यतृअ चिन्त्यङ्ते स्थिति उत्पत्ति प्रलय भूतानाम् [yatṛa cintyaṅte sthiti utpatti pralaya bhūtānām] no qual são consideradas a existência a origem e a dissolução dos seres* समाख्यातम् परम र्षि [samākhyātam parama rṣi] foi exposto pelo grande sábio (kapila)*
69- Este insólito conhecimento dos objetivos do Puruṣa, no qual são consideradas a existência, a origem e a dissolução dos seres, foi exposto pelo grande sábio (Kapila).

Gauḍapāda: O objetivo do Puruṣa é a liberação. Para esse propósito, este extraordinário conhecimento foi exposto por Kapila. Da meditação sobre esse conhecimento surge o conhecimento perfeito sobre os vinte e cinco princípios. O Sāṃkhya, a ciência da libertação do Saṃsāra, foi exposto pelo sábio Kapila e o Bhasya por Gaudapada.

70- एतत् पवित्रमग्र्यं मुनिरासुरयेऽनुकम्पया प्रददौ । आसुरिरपि पञ्चशिखाय तेन बहुधाकृतं तन्त्रम् ॥ ७०॥
etat pavitramagryaṃ munirāsuraye'nukampayā pradadau । āsurirapi pañcaśikhāya tena bahudhākṛtaṃ tantram ॥ 70॥
एतद् पवित्र अग्र्य [etad pavitra agrya] esse (conhecimento) sagrado e supremo* मुनि अनुकंपा प्रददौ आसुरि [muni anukaṃpā pradadau āsuri] o sábio (kapila) transmitiu, por compaixão, a āsuri* आसुरि अपि पञ्चशिख [āsuri api pañcaśikha] āsuri (transmitiu) a pañcaśikha* तेन कृत बहुधा तन्त्र [tena kṛta bahudhā tantra] que elaborou detalhadamente a doutrina*
70- Esse conhecimento sagrado e supremo, o sábio Kapila transmitiu, por compaixão, a Āsuri. Āsuri transmitiu a Pañcaśikha que elaborou a doutrina.

71- शिष्यपरम्परयागतमीश्वरकृष्णेन चैतदार्याभिः । सङ्क्षिप्तमार्यमतिना सम्यग्विज्ञाय सिद्धान्तम् ॥ ७१॥
śiṣyaparamparayāgatamīśvarakṛṣṇena caitadāryābhiḥ । saṅkṣiptamāryamatinā samyagvijñāya siddhāntam ॥ 71॥
सिद्धान्त [siddhānta] esta doutrina (estabelecida por consenso)* शिष्य परंपर आगत [śiṣya paraṃpara āgata] transmitida por sucessão discipular* आर्यमति ईश्वरकृष्ण [āryamati īśvarakṛṣṇa] para a nobre mente de īśvara Kṛṣṇa* संयक् विज्ञा [saṃyak vijñā] tendo sido completamente entendida por ele* सङ्क्षिप् [saṅkṣip] foi resumida* च एतद् आर्याभि [ca etad āryābhi] e (apresentada) em versos com métrica arya*
71- Esta doutrina, transmitida por sucessão discipular para a nobre mente de Īśvara Kṛṣṇa, tendo sido completamente entendida por ele, foi resumida em versos com métrica Arya.

72- सप्तत्यां किल येऽर्थास्तेऽर्थाः कृत्स्नस्य सृष्टितन्त्रस्य । आख्यायिकाविरहिताः परवादविवर्जिताश्चाऽपि ॥ ७२॥
saptatyāṃ kila ye'rthāste'rthāḥ kṛtsnasya sṛṣṭitantrasya । ākhyāyikāvirahitāḥ paravādavivarjitāścā'pi ॥ 72॥
सप्तति किल ये अर्थ [saptati kila ye artha] o conteúdo desses setenta versos é tratado* कृत्स्न षष्टितन्त्र [kṛtsna ṣaṣṭitantra] completamente no ṣaṣṭitantra* ते अर्थ आख्यायिका विरहित [te artha ākhyāyikā virahita] excluindo detalhes inúteis* चा अपि परवाद विवर्जित [cā api paravāda vivarjita] e também omitindo controversias*
72- O conteúdo desses setenta versos é tratado completamente no Ṣaṣṭitantra; excluindo detalhes inúteis e e também omitindo controversias.


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